A caminho dos
Óscares 2023
Um ano após uma cerimónia fechada ao público, sem passadeira vermelha nem estrelas, o glamour e o resto regressaram aos Globos de Ouro na sala do hotel Beverly Hilton, transmitida pelo canal NBC na terça-feira à noite em Los Angeles (madrugada de quarta-feira em Lisboa).
A Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (Hollywood Foreign Press Association, HFPA na sigla original) procurou relançar aquele que foi um dos momentos mais importantes na temporada de prémios antes dos Óscares após o boicote generalizado durante quase dois anos de estúdios, agências de talentos, estrelas de Hollywood e da NBC após uma investigação do jornal norte-americano Los Angeles Times de fevereiro de 2021 revelar que a organização não tinha membros negros entre os votantes e uma longa história de imprudências éticas.
Sem surpresa, o comediante e anfitrião Jerrod Carmichael abordou toda esta "história" num monólogo feito num registo mais de conversa com honestidade brutal do que humor, onde circulou de um lado para o outro e até se chegou a sentar nas escadas do palco.
"Deixem-me dizer-vos a razão para estar aqui: estou aqui porque sou negro. Vou contar-vos o que tem estado a acontecer. Este evento, os Globos de Ouro, não foi para o ar no ano passado porque a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood - que não direi que era uma organização racista, mas não tinham um único membro negro até à morte de George Floyd. Portanto, façam o que quiserem com esta informação", começou.
O comediante recordou a seguir o processo até chegar ali, dominado pela indecisão em aceitar o convite, mesmo reconhecendo que era uma grande oportunidade, por saber que tinha sido feito pela sua raça. E explicou que Stephen Hill, produtor dos Globos, o parou nesse momento da conversa para garantir que estava a ser convidado por ser talentoso e encantador.
"Mas o Stephen é negro, portanto o que sabe ele?", comentou Carmichael.
Descrevendo que continua a estar com um "dilema moral e racial", contou a seguir que falou com uma amiga, "que para efeitos deste monólogo representa cada pessoa negra na América", que lhe deu os parabéns e disse que estava muito orgulhosa.
Quando lhe contou o que se tinha passado com os Globos, a reação foi: "bem, quanto é que te estão a pagar?".
"E eu respondi, 'Não é pelo dinheiro, honestamente, é sobre a questão moral'. E ela disse: 'Quanto é que eles te estão a pagar?'. E eu respondi '500 mil dólares'. E ela respondeu: 'Rapaz, se não colocas um bom fato e agarras o dinheiro dessa gente branca...'. E de certa forma eu tinha esquecido que, de onde eu sou, todos vivemos por uma mentalidade estritamente monetária. Os informadores negros do FBI nos anos 60, aposto que as suas famílias ainda estão orgulhosos deles", continuou.
A seguir, Carmichael revelou que estava orgulhoso de ter aceite o convite até que recebeu um email a dizer que a presidente da HFPA queria falar com ele em privado, pressentindo uma "armadilha".
O encontro, afinal, era para informá-lo das mudanças que a organização tinha feito em relação à diversidade.
"E para ser completamente honesto com toda a gente aqui esta noite: realmente não precisava de ouvir. Aceitei este trabalho assumindo que eles não tinham mudado de todo", reconheceu.
"Ouvi dizer que eles arranjaram seis novos membros negros. Parabéns a eles, tanto faz, tudo bem. Na verdade, estou aqui porque olho para esta sala e vejo muitas pessoas talentosas. Pessoas que admiro. Pessoas que eu gostaria de ser. Pessoas de quem tenho inveja e pessoas que são realmente artistas incríveis. E independentemente de qualquer que seja o passado da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, esta é uma noite em que podemos comemorar. E acho que esta indústria merece noites como esta. E estou feliz que todos vocês estejam aqui. E espero que vocês se divirtam esta noite", concluiu.
No resto da cerimónia, Jerrod Carmichael mudou várias vezes de roupa e introduziu principalmente atores para apresentarem prémios e teve de mandar calar o público indisciplinado com um muito explícito "shut the f*cuk up", recordando que era uma cerimónia em direto, mas teve dois momentos que ficarão certamente na memória de Hollywood nos próximos tempos.
O primeiro foi a propósito dos Globos de Ouro que Tom Cruise devolveu à HFPA após as polémicas, recordando as ligações do ator com a Cientologia e a esposa do líder dessa organização religiosa (ou seita, segundo os seus detratores), que não é vista em público há muitos anos.
"Encontrei estes três Globos de Ouro nas bastidores que o Tom Cruise devolveu... acho que talvez possamos pegar nestas três coisas e trocá-los pelo regresso em segurança da Shelly Miscavige", proclamou.
Houve alguns aplausos, mas percebeu-se pelo silêncio que a reação maioritariamente foi de estupefação com a piada, que foi ainda mais longe do que aquelas que fez Ricky Gervais quando foi o anfitrião dos Globos.
A seguir, entraram Glen Powell e Jay Ellis, atores de "Top Gun: Maverick", que fizeram rasgados elogios a Tom Cruise antes de apresentarem imagens do nomeado para Melhor Filme.
Mais tarde, o comediante também brincou com Kanye West, que fez várias declarações anti-semitas, dizendo que conseguiu mudá-lo depois de o levar a ver o filme de Steven Spielberg "Os Fabelmans".
Mais controverso (e sem reação da sala, mas mal recebido nas redes sociais) foi quando descreveu o Beverly Hilton como “o hotel que matou Whitney Houston".
VEJA O MOMENTO SOBRE TOM CRUISE.
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