Apesar de não fazer filmes há 52 anos e se ter tornado uma figura polarizadora por causa das suas opiniões e apoio à extrema-direita francesa, Brigitte Bardot festeja 90 anos este sábado como uma importante ativista dos direitos dos animais e, acima de tudo, um ícone internacional do cinema e símbolo sexual na década de 1960.
Este facto diz muito do impacto duradouro do fascínio que exerceu, tornando-se conhecida mundialmente simplesmente pelas suas icónicas iniciais BB.
Filha de um industrial da alta burguesia francesa e incentivada pela mãe, Brigitte Anne-Marie Bardot (Paris, 28 de setembro de 1934) foi aceite no conservatório de dança e música de Paris em 1947, frequentando aulas de ballet durante três anos.
Sempre apoiada pela progenitora, começou a fazer trabalhos de moda em 1949 e, aos 15 anos, tornou-se a capa da edição de março de 1950 da revista Elle, que chamou a atenção de um jovem cineasta chamado Roger Vadin, que a mostrou ao cineasta Marc Allégret, o que levou a um convite para fazer um teste para o filme "Les lauriers sont coupés". Foi escolhida e apesar do projeto não ter avançado, a oportunidade fez com que Brigitte pensasse em tornar-se atriz.
Vadin, com 22 anos, que assistiu ao teste, seria uma figura decisiva nessa carreira e na sua vida: após dois anos de namoro à revelia dos pais, o casamento aconteceu em 1952.
A estreia de Brigitte no grande ecrã, aos 17 anos, foi com um pequeno papel na comédia "Le Trou normand" (1952). O segundo filme, "Manina" (1952), fez com que o seu pai recorresse à Justiça para, sem sucesso, impedir que fossem lançadas as suas cenas em biquíni.
Não obstante ter sido o grande centro das atenção da imprensa no Festival de Cannes de 1957, Brigitte fez 17 filmes até 1957 de vários géneros, nenhum deles com grande sucesso, incluindo três em inglês, nomeadamente "Helena de Tróia" (1956), num papel de escrava. Vadin, achando que estava a ser desaproveitada e desvalorizada pela indústria, escolhe-a para o papel principal do seu novo filme.
"E Deus Criou a Mulher" (1956), com a então jovem sensação masculina Jean-Louis Trintignant, sobre uma adolescente amoral numa pequena e respeitável cidade do litoral francês, foi o sucesso que previa e sobretudo, numa altura em que o maior 'sex-symbol' de uma Hollywood moralista era Marilyn Monroe, um grande escândalo. As suas cenas de nudez correram os ecrãs de todo o mundo e Brigitte Bardot tornou-se BB.
O impacto foi tremendo e a filósofa Simone de Beauvoir fez dela o tema do ensaio "Brigitte Bardot And The Lolita Syndrome" ["Brigitte Bardot e a síndrome de Lolita", em tradução literal], que a declarou a mulher mais liberada da França.
O sotaque e o domínio limitado do inglês impediram BB de fazer uma grande carreira no cinema do outro lado do Atlântico, mas tornou-se a mais famosa atriz europeia nos EUA. E quando, durante a década de 1960, a Europa, principalmente Londres e Paris, se tornaram o centro da moda, ela foi a deusa sexual desse era.
Vadim voltou a dirigi-la em "Vagabundos ao Luar" (1958) e "Uma Mulher Sem Freio" (1961), apesar de se terem divorciado em 1957, quando BB se apaixonou por Trintignant, relação rompida quando se apaixonou pelo cantor Gilbert Bécaud, a que seguiu outro, Sacha Distel, antes de casar em 1959 com Jacques Charrier, um promissor ator que conheceu na rodagem de "Babette vai à guerra" (1959). Foi uma relação literalmente cercada pelos paparazzi, que chegaram a invadir a sua casa em janeiro de 1960 para tirar as primeiras fotografias do seu primeiro, único e indesejado filho (após dois abortos ilegais), Nicolas-Jacques Charrier, que ficou a viver com o pai após o divórcio em 1962.
Ao mesmo tempo que a vida sentimental era tumultuosa e pública, na carreira, e em choque com a imagem, os filmes tornaram-se mais substanciais e aclamados pelos críticos. São os casos de "La vérité" (1960), de Henri-Georges Clouzot, e "Vida Privada" (1962), de Louis Malle, com Marcello Mastroianni, um filme quase autobiográfico sobre uma celebridade do cinema sem vida pessoal por causa da perseguição constante da imprensa. Pouco depois desta estreia, começou uma vida de semi-reclusão longe dos olhares indiscretos numa propriedade, La Madrague, em Saint-Tropez, no sudoeste da França, que dura até hoje.
Em 1963, chega mais aclamação com "O Desprezo", de Jean-Luc Godard, seguido do reencontro com Malle para "Viva Maria!" (1965), contracenando com Jeanne Moreau, e o coletivo "Histórias Extraordinárias" (1968), encontrando Alain Delon. O presidente Charles de Gaulle chama-lhe "uma importação francesa tão importante como os automóveis Renault" para a balança comercial do país.
Também houve desilusões, como "Querida Brigitte" (1965), primeiro filme em Hollywood com James Stewart, numa presença relativamente breve, e os fracasso de "Duas Semanas em Setembro" (1967) e principalmente "Shalako" (1968), outro filme de Hollywood, um western onde o parceiro é Sean Connery.
Um terceiro casamento, com o playboy e multimilionário alemão Gunter Sachs, dura entre 1966 e 1969, ano em que se torna o rosto oficial da Marianne, a efígie da República, até 1972. E entre musicais de televisão e gravações de discos produzidos por Sacha Distel, Bob Zagury e Serge Gainsbourg (por quem se apaixona loucamente, resultando do intenso romance de três meses temas como "Je Taime - Moi Non Plus" e "Initials B.B"), fez mais filmes, como "As Noviças" (1970), de Guy Casaril, encontrando Claudia Cardinale em "As Rainhas do Petróleo (1971), e até Vadin em "Se D. Juan Fosse Uma Mulher" (1973), uma desilusão comercial.
Cansada do desgaste da fama e da perseguição pelos paparazzi, termina a carreira logo a seguir, durante a pós-produção de "A Vida Alegre de Colinot" (1973), aos 38 anos.
A "segunda etapa" de vida
O adeus artístico de BB foi público e final, tal como a retirada para La Madrague, passando a usar a fama conquistada para uma segunda paixão, a causa animal, como aconteceu em 1977 ao atrair as atenções do mundo para denunciar 'in-loco' o massacre de focas bebés no norte do Canadá.
Seguiram-se anos a liderar campanhas contra a caça das baleias, experiências em laboratório com animais, lutas entre cães e uso de casacos de pele. Em 1986, criou uma fundação, com o seu nome, declarada de utilidade pública pelo governo francês em 1992.
Nos anos 1990, também se tornam mais conhecidas as suas controversas posições políticas e sociais, da imigração árabe à homossexualidade, que lhe valeram vários processos e condenações por incitação ao ódio racial em tribunal. Além do pagamento de multas, as polémicas custaram-lhe muita da popularidade conquistada no cinema e no ativismo pelos animais.
A sua autobiografia de 1996, "Initiales B.B", um grande sucesso de vendas na França, renovou várias críticas radicais, principalmente ao Islão, que reforçou noutro livro publicado em 2003, "Un Cri dans le Silence" [Um grito no silêncio].
A autobiografia também levou-aa perder processos colocados pelo ex-marido Jacques Charrier e o próprio filho por "violação da intimidade da vida privada": BB escreveu sobre a gravidez indesejada que tentou causar um aborto, descrevendo que "queria ser curada deste tumor".
Assumindo a falta de instinto maternal, acrescentava que "preferia ter dado à luz a um cachorro. Tornei-me mãe precisamente quando não precisava. Vivi isso como um drama. Fez duas pessoas infelizes: o meu filho e eu".
Ao longo dos anos continuou a publicar comunicados contra caçadores, jardins zoológicos, matadouros e circos. Um anunciado último livro, de janeiro de 2018, "Larmes de combat" ("Lágrimas de combate, em tradução livre), contava a sua luta pelos animais, que a "salvaram" da "loucura" das luzes da ribalta, e defende "um futuro comum" para todos os seres vivos. Nas quase 250 páginas evocou ainda a infância, os anos no cinema e os seus amores, o afastamento da Sétima Arte e um cancro da mama.
"A primeira parte da minha vida foi um rascunho da minha existência", escrevia, acrescentando que a segunda etapa trouxe "as respostas às questões que coloquei até então".
Longe dos olhares indiscretos, BB continua a viver rodeada de animais na propriedade onde deseja ser enterrada em Saint-Tropez, refúgio do jet-set cuja fama mundial contou com a sua contribuição. Desde 1992 que é casada com Bernard d'Ormale, ex-conselheiro do político de extrema-direita Jean-Marie Le Pen.
Apesar dos problemas de saúde que a têm afligido, nomeadamente as dificuldades de locomoção desde há 20 anos, continua a dirigir a sua fundação e a lutar contra os maus-tratos aos animais, confidenciando ao Le Parisien em 2018 que eram “a sua única família próxima”.
Continuou também a assumir posições polémicas, como quando defendeu em fevereiro de 2021 a pandemia da COVID-19 como uma medida positiva para "restaurar uma nova ordem" no planeta, "uma espécie de auto-regulação de uma super-população que não somos capazes de controlar". Ou quando proclamou ser "a favor de um governo autoritário que seja capaz de pôr ordem na desordem que vivemos", declarando-se "horrorizada" com um sistema que "deixa à margem cidadãos pobre que trabalham muito e recebem menos ajuda do que os migrantes que nos atacam".
Ainda em 2021, foi multada por ter enviado uma carta em 2019 ao então delegado do governo da ilha de Reunião, denunciando a “barbárie" dos seus habitantes com os animais, provocando uma onda de indignação ao falar de uma "ilha do diabo” cuja “população degenerada” ainda está “imbuída” de “tradições bárbaras”.
Um documentário, "Brigitte Bardot Confidencial", em dezembro de 2022, e "Bardot", uma minissérie do canal France 2 de maio de 2023, trouxeram-na e às suas polémicas de novo à ribalta. E ainda no ano passado, falou de um Papa Francisco “que está a prejudicar a Igreja”, um presidente Emmanuel Macron que “não está à altura do trabalho" e de tempos que se tornaram "demasiado feministas" para ela, que foi uma mulher livre que chocou mentalidades.
Com a passagem dos anos, sem um reconciliação total, diz que "a relação se normalizou" com o filho, que está muito longe de Saint-Tropez e da própria França, a quem diz ter prometido não falar sobre ele em entrevistas: sabe-se que é casado desde 1984 com a supermodelo Anne-Line Bjerkan, mãe das suas duas filhas, e vive na Noruega. Ele próprio nunca falou publicamente sobre a mãe.
Segundo BB, conversam com frequência por telefone e ele visita-a em La Madrague uma vez por ano, sozinho ou com a família.
"Sou bisavó de descendentes que têm nacionalidade norueguesa e não falam francês. Os contactos são difíceis, mas encantadores”, disse num raro comentário sobre esta parte da família que disse estar "dispersa" (uma irmã quatro anos mais nova, Mijanou Bardot, também atriz na década de 1960 e defensora dos animais, vive em Los Angeles com o marido o ator Patrick Bauchau).
E houve um reconhecimento público sobre o filho: "Amo-o de maneira especial. E ele também. Ele parece-se um pouco comigo. Fisicamente, ele herdou muito do seu pai".
BB confessa ter medo da morte e diz ter encontrado refúgio na sua "relação pessoal com a Virgem Santa".
Após a sua morte, espera deixar a memória de uma mulher que pôs fim ao tabu da "humanidade animal, da animalidade humana". Continua a insistir na defesa de um "futuro comum" com todos os seres vivos.
"A minha passagem pela Terra não terá, então, sido em vão. E a minha alma ficará, enfim, em paz", diz.
Comentários