Hoje em dia não é fácil transgredir quando os limites já há muito se desvaneceram no nada.
Mas “Fade into Nothing” é um “feel good movie” experimental, onde os devaneios do protagonista (Paulo Furtado/The Legendary Tigerman) dão-se ao sabor dos longos “delays” da sua guitarra e das “polaroids” de deserto e mulheres nuas submetidas a velhos processos de “efeitos especiais”. Estes são tão antigos como o “tape recorder” que crava no espaço as deambulações filosóficas do protagonista.
E se há excesso de palavras inglesas nesta descrição de um filme da Competição Nacional, é porque ele é falado em inglês e rodado nos Estados Unidos.
A “história” trata de um personagem que quer “desaparecer” no nada. Para isso, acompanha-se de um manual rigorosamente inútil (“How to Disappear Completely and Never Be Found”, de Doug Richmond) e avança sem rumo pelo deserto da Califórnia. Ao mesmo tempo, espera que as suas palavras “mudem de significado” enquanto perde-se sob o calor escaldante, encontra mulheres com quem não fala, testemunha factos pitorescos, conduz indefinidamente.
É um projeto multidisciplinar: a fotógrafa Rita Lino já fez muitas provocações que incluem a própria nudez; o “The Legendary Tigerman” Paulo Furtado dispensa apresentações e Pedro Maia, realizador de um vídeo de um álbum do músico, “Masquerade”, assina uma realização que trata de conjugar as múltiplas facetas deste experimento sensorial.
Três momentos complexos
Nem sempre é claro o que é fantasia e o que é realidade em “António Um Dois Três”, de Leonardo Mouramateus. E o espectador, cabe dizer, não terá vida fácil ao lidar com os três diferentes momentos desta história. Ao conectá-los, dificilmente o poderá fazer baseado num prosaico sentido de lógica protocolar de causa-e-efeito hollywoodiano (ou não se estivesse no IndieLisboa).
O protagonista (vivido por Mauro Soares) é identificado com o Sonhador, por sua vez personagem principal de “Noites Brancas”, obra de Dostoievsky que inspira muito livremente o filme. Ele é expulso de casa após o pai receber uma carta a informar que não frequenta a universidade há um ano. Vários episódios sucedem-se: encontra a ex-namorada, conhece uma estudante brasileira, vai viver nas traseiras de um teatro. Mas estes são apenas elementos da primeira história…
Uma coprodução luso-brasileira no mais amplo sentido do termo (produção, elenco, enredo), o filme traz Lisboa como personagem, captada através do olhar estrangeiro e com aquilo que o fascina – as ruelas, escadarias, cafés, elétricos e as suas luzes vistas do outro lado.
A narrativa é complexa e há mais – os diálogos teatrais e um contínuo pensar da arte de contar histórias e seus artifícios – misturando-se aqui ali as convenções do teatro, do cinema, da literatura, que faz pensar sobre os seus artifícios.
Mouramateus tem apenas 26 anos, mas já vai com cinco curtas-metragens com participações e prémios em Locarno, Rotterdão, DocLisboa e outros.
Amor Amor
A Competição Nacional conta também com a primeira exibição de “Amor Amor”, de Jorge Cramez (em destaque aqui na próxima semana).
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