O realizador Walter Salles revive o fantasma da ditadura militar com "Ainda Estou Aqui", filme em competição no Festival de Veneza que é sobretudo uma homenagem à mulher de Rubens Paiva, engenheiro e político desaparecido em 1971.
Paiva foi deputado de esquerda até que a ascensão dos militares em 1964 o levou ao exílio. Regressou inesperadamente ao país, onde retomou a carreira de engenheiro, sem abandonar os contactos com a clandestinidade.
Quando a situação se agravou no Brasil, com ataques e sequestros de grupos de extrema esquerda e uma sangrenta repressão militar, Paiva foi preso, em janeiro de 1971. Um grupo de homens armados tirou-o da sua casa no Rio e ele nunca mais reapareceu.
A sua esposa, Eunice, também foi detida juntamente com uma das suas filhas e passou 12 dias sob interrogatório.
Interpretada por Fernanda Torres, e depois pela sua mãe Fernanda Montenegro na velhice, Eunice é a mulher que não desiste da busca pelo seu marido, sem abandonar a educação dos filhos.
"A história de Eunice confunde-se com a do Brasil naqueles anos horríveis que vivemos", lembrou Salles na conferência de imprensa no domingo, antes da antestreia mundial onde foi recebido com entusiásticos dez minutos de aplausos.
"É isso que me interessa no cinema", acrescentou.
O filme é baseado no livro escrito por um dos filhos do casal, Marcelo Rubens Paiva, em homenagem à mãe incansável, que se reconstruiu como advogada e que posava perante a imprensa sem perder o sorriso.
O mesmo sorriso que mostrou quando finalmente conseguiu, 25 anos depois do desaparecimento do marido, obter a certidão de óbito oficial.
"Ela era uma mulher que enfrentava a tragédia, que evitava os melodramas. Não queria chorar na rua com a família. Não queria que os seus filhos se tornassem vítimas da ditadura. E a forma como decidiu fazer isso foi com o silêncio e um sorriso. É incrível", refletiu Fernanda Torres aos jornalistas em Veneza.
"Anos depois, quando a minha mãe adoeceu com Alzheimer, senti que tinha que escrever o livro sobre ela", explicou Marcelo Rubens Paiva, presente na estreia do filme.
"Foi muito importante escrever este livro nesse momento porque a democracia está em perigo em todo o mundo", acrescentou o escritor e colunista.
"O cinema é uma grande ferramenta contra o esquecimento. A literatura também", acrescentou Walter Salles, conhecido por filmes como "Central do Brasil", "Diários de Che Guevara" e ""Pela Estrada Fora".
"Nunca pensei que a minha geração veria o ressurgimento da extrema direita", considerou o realizador.
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