Foi no conceituado Cella Bar, um espaço arquitetonicamente requintado no limiar costeiro do Pico com vista para a vizinha Faial, que Terry Costa apresentou o programa das “festas” para os próximos três meses, numa casa cheia de “amigos, convidados e ilustres artistas”.
São festivais, iniciativas culturais que prometem dinamizar a segunda maior ilha do arquipélago açoriano mas tendo todos os Açores em vista, desde uma residência artística até aos “clássicos da casa”, como o Festival Cordas, Montanha (“o mais bem sucedido em termos de projetos nos Açores”), o retornado BirdWatching Festival e o AnimaPix, festival de animação que decorreu entre 1 e 5 de dezembro na vila de Madalena, mais concretamente na Biblioteca do Auditório Municipal. O que têm em comum todos estes eventos, ora musicais, ora cinematográficos, ora comunitários, é a sua génese, a MiratecArts, da qual Costa é fundador e diretor artístico.
A reunião no Cella Bar não serviu somente para anunciar as novidades que seguem a pique, e para assinalar a promessa da criação de um novo festival em 2022, mas também para comemorar os dez anos desse espectro artístico que nasceu na área vizinha da Mirateca.
Terry Costa havia convidado o SAPO Mag para mapear a propriedade, que assumiu também o nome da MiratecArts, uma herdade de 2,6 hectares, de jardins de pedras até microflorestas, uma comunhão natural com instalações artísticas elaboradas por mais de uma centena personalidades. “Na MiratecArts, a arte nasce da natureza, e a natureza nasce da arte”, afirmou perante o imenso espaço que começa numa casa a merecer reabilitação (“tenho projetos para aqui, apenas é necessário verbas para o concretizar”, aponta) e termina no Oceano na negra rocha vulcânica que nos relembram as origens milenares do Pico.
A propriedade legalmente pode pertencer a Terry Costa, mas para o anfitrião, a MiratecArts é para todos, não só para os artistas convidados e que deixam a sua marca na paisagem, como também para a comunidade envolvente, ou, sublinhando, para toda a ilha.
Por entre barcos encalhados e ilustrados, até a altares rosados ao Deus Baco, assim como árvores rosas e reconstituições de pescadores desesperados, o que mais habitava neste biótopo criativo eram caretas estampadas em rochas – os Sorrisos de Pedra de Helena Amaral – artista que encaminhará o seu espólio à MiratecArts com grande honra e consideração de Terry Costa. Em relação aos Sorrisos, fenómeno que “contagiou” toda a ilha, o responsável revela que “neste momento é possível encontrar estas pedras em todo o Pico. Elas estão por todo o lado”.
Quanto ao festival de animação, que teve a sua primeira edição em 2016 e mantém constantes piscadelas às escolas e aos mais novos, numa iniciativa que abre o apetite ao mundo das artes, o certame abriu com a peça teatral “Couve Rosa Morango Amarelo”, encenado por Graça Ochoa da FIAR Centro de Artes de Rua. Assumido como um espetáculo poético desconcertante, a peça desafia as convenções estabelecidas do género através de metáforas frutadas e repescagens históricas.
No segundo dia, o auditório da biblioteca recebeu mais de 352 jovens para assistir à adaptação cinematográfica de “O Jardim Secreto”, com Colin Firth e Julie Walters. Segundo Costa, a projeção serviu para comemorar o centenário do livro homónimo da inglesa Frances Hodgson Burnett. Enquanto o filme rodava por entre uma multidão de pequenos curiosos, outros grupos de crianças visitavam quatro contadores de histórias; Cécilia Guerra, Ilda Aguiar, Lucrécia Alves e o cabo-verdiano Adriano Reis, este último com o livro “Rutxêla – Stória de Lá” a ser apresentado no festival, encantando-se com uma arte de narração cada vez mais em desuso para a dominância das novas tecnologias (mais tarde, o quarteto de narradores repetiram a experiência por baixo de dragoeiros no Museu do Vinho de Madalena). Como aperitivo, havia ainda curtas animadas a serem projetadas para deleite dos mais “pequeninos”.
Nos dias seguintes, surgiram as apresentações de livros infantis pelo espaço, desde as aventuras de uma flor endémica das ilhas açorianas - “Néveda nos Açores” - uma criação de Terry Costa e ilustrado por Vera Bettencourt, até uma história de afeições de Sónia Sousa (com desenhos de Sofia e Beatriz Sant’Ana) – “A Menina que desenhava Corações” – cujas ilustrações serviram também de painéis que decoraram e confortaram os visitantes. Já os mais velhos puderam deslumbrar-se com a animação “As Andorinhas de Cabul”, de Zabou Breitman e Eléa Gobé Mévellec (apresentado no Festival de Cannes), um drama sobre as transformações político-sociais de um Afeganistão sobre a opressão do regime talibã, uma história de outros tempos que coincidentemente vem dialogar com o nosso presente.
O AnimaPix exibiu ainda “As Viagens de Chihiro” do respeitável Hayao Miyazaki, como comemoração dos 20 anos da premiada obra de animação japonesa, e, mantendo-se no signo dos Estúdios Ghibli, o encerramento decorreu com uma das mais recentes produções da “casa”, “Aya e a Feiticeira”, de Gorô Miyazaki. Foram cinco dias dedicados à animação e à criança que permanece no nosso interior e por vezes nos impulsiona a criar.
Para Terry Costa, o AnimaPix é mais que uma festa de eventos, filmes e livros, é a criação de “bichinhos carpinteiros” com o intuito de dinamizar o espectro cultural no Pico. Como se diz em bom português, é de “pequenino que se torce o pepino”.
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