Jon Bernthal talvez seja mais conhecido do grande público pelo seu papel como Shane na série «The Walking Dead», mas tem uma carreira vasta no cinema e no teatro, com papéis em filmes como «World Trade Center». Michael Peña é uma cara latina conhecida do grande ecrã e uma colaboração regular no cinema do realizador David Ayer (foi um dos protagonistas de «Fim de Turno», o último filme do cineasta).
Em «Fúria» estão sob o comando de Brad Pitt num tanque aliado em combate durante a II Guerra Mundial. Em Paris, sentaram-se connosco e contaram como foi o difícil processo de rodagem e como foi trabalhar ao lado de Pitt ou Shia La Beouf.
Vocês pareciam de facto uma família dentro daquele tanque. Como é que se consegue chegar a esse ponto com pessoas que não se conheciam?
Michael Peña (M.P.): Eu conhecia o Jon por termos feito o «World Trade Center» [filme de Oliver Stone, de 2006], mas não se compara à profundidade com que o conheço agora.
Jon Bernthal (J.B.): Agora estamos apaixonados.
M.P.: Exato. Agora é amor incondicional. Criámos laços durante o «bootcamp» e tivemos ensaios muito intensos. Para o David Ayer [o realizador], o que importa são as relações e os laços fraternais que se criam.
O «bootcamp» deve ter sido duro...
J.B.: Tivemos uma pré-produção muito alargada. O filme demorou nove meses a fazer e três deles foram para pré-produção. Passámos o tempo a lutar em conjunto, a dormir juntos, a comer juntos. Foi assim que esta família foi criada.
O «bootcamp» foi criado para nos unir e para nos fazer falhar, para nos fazer desabar, ficar zangados uns com os outros e para nos atacarmos uns aos outros. Foi tudo planeado para que falhássemos e isso significava não dormir, não comer. Foi mau, foi difícil.
Mas, depois disso, depois de reconhecermos as nossas forças e fraquezas, podíamos criar laços e usar os pontos fortes uns dos outros. No final do «bootcamp» começámos a confiar uns nos outros, tornámo-nos uma unidade, uma equipa. E quando isso aconteceu, conseguimos retratar uma família no ecrã.
O conflito retratado no filme é a II Guerra Mundial, muito diferente dos conflitos atuais. Fazer este filme fez-vos pensar nas guerras de hoje?
M.P.: Aquilo que sentimos é que queríamos retratar a guerra o mais realisticamente que podíamos, mas isso não seria possível se não tentássemos pelo menos recriar durante um dia inteiro as condições em que aqueles soldados lutaram. O processo fez-me pensar que houve muitas pessoas em muitos países que tiveram de lutar. É difícil pedir a alguém que lute pelo seu país e esteja disposto a morrer pelo seu país.
Vocês conheceram veteranos da II Guerra. Como foi esse contacto?
M.P.: Foi algo de muito valioso. Foi muito triste vê-los a mostrar fotos da altura e a dizer «perdemos este tipo. E este também».
Algumas das cenas mais fortes do filme não são cenas de batalha, mas todas parecem ter sido difíceis de rodar. Qual foi a cena mais dura que tiveram de fazer?
J.B.: Há muitas cenas muito difíceis e há até algumas muito fortes que filmámos e acabaram por não entrar no filme. Quando partilhámos todos os nossos segredos na preparação para o filme, coisas de que nos envergonhamos, coisas de que nos orgulhamos, conhecemo-nos de forma muito intensa.
O David queria que usássemos isto para construir as nossas amizades, mas também como munição para nos atacarmos uns aos outros. Não se ama alguém como a nossa família, mas também não se discute com alguém como com a nossa família.
A cena do jantar [cena em que os soldados jantam com duas raparigas alemãs e se cria uma enorme tensão entre eles] foi sobre traição, inveja, raiva e ressentimento e o David incentivou-nos a estarmos uns contra os outros naquele dia. Parte da preparação para a cena foi apontarem uma câmara a um de nós e pedir a esse ator para atacar outro, dizer as piores coisas que poderia dizer sobre ele. Essa cena teve um preço e acho que mudou todas as nossas relações. Foram dias muito sombrios, acho que nenhum de nós alguma vez tinha feito uma cena assim.
M.P.: Para mim essa também foi a cena mais difícil. Apesar de ser eu quem fala mais, a cena não era sobre mim. Eu estava a representar o resto da equipa. Nessa cena, éramos nós contra o nosso pai, o Brad Pitt.
Como foi trabalhar com o Brad?
J.B.: O Brad é um tipo excelente. Nunca se isolou de nós, não há nada que tenhamos feito que ele não tenha feito. Quanto mais frio, mais húmido e mais brutal tudo se tornava, maior era o sorriso na cara dele.
Como foi filmar no cenário do tanque?
M.P.: Foi claustrofóbico. Éramos trapalhões no início e tínhamos de estar sempre a entrar e sair. A escotilha era pesadíssima. Era muito difícil, principalmente quando chovia.
Li que o David Ayer escreveu o seu papel a pensar em si, Michael. Foi mesmo assim?
M.P.: Sim, nem sei como isso foi possível, mas fiquei muito feliz. Foi ótimo trabalhar com ele neste filme e no «Fim de Turno», mas é duro, ele espera muito de nós, fisicamente e psicologicamente. Mas, no fim do dia, estou feliz por tê-lo feito.
Temos ouvido tantas coisas sobre o Shia La Beouf mas, no ecrã, nada disso transparece [o ator tem gerado alguma polémica com aparições públicas controversas, como quando surgiu na passadeira vermelha do Festival de Berlim com um saco de papel na cabeça e a inscrição «já não sou famoso»]. Como foi a relação com ele durante a rodagem?
J.B.: Houve um compromisso total da parte dele neste filme. Se gostam do que ele fez no grande ecrã, isso é fruto do esforço dele durante a pré-produção. Só tenho coisas boas para dizer sobre ele, adoro-o e acredito nele.
M.P.: É difícil assumir este compromisso até ao fim e quando se tem cinco atores como nós, o Brad, o Shia e o Logan [Lerman], isso ajuda-nos a não perder de vista o objetivo e a conseguir o melhor resultado.
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