A 80.ª edição do Festival de Cinema de Veneza começa esta quarta-feira (30) sem estrelas ou glamour, com a exibição de um filme italiano e com a greve dos atores e argumentistas de Hollywood como pano de fundo.
O presidente do júri, Damien Chazelle, cujos filmes "La La Land" (2016) e "O Primeiro Homem" (2018) abriram este festival duas vezes e em grande estilo, sem dúvida viveu noites mais festivas.
"Cada obra de arte tem um valor em si mesma e não é apenas conteúdo", afirmou, na conferência de imprensa inaugural, o cineasta franco-americano, que usava uma t-shirt de apoio à greve.
"A arte vem antes do conteúdo", enfatizou.
A greve dos atores nos EUA começou em julho e somou-se à que os argumentistas já protagonizavam desde maio. Os dois movimentos fazem reivindicações laborais perante o possível uso da Inteligência Artificial no mundo do cinema.
O poderoso sindicato SAG-AFTRA proíbe os seus membros de rodar novas produções ou de participar na promoção dos seus filmes para os grandes estúdios.
"Impacto limitado"
O mais antigo festival de cinema do mundo, que Hollywood costuma usar como plataforma de lançamento antes da temporada de prémios, é o primeiro grande evento da Sétima Arte a pagar o preço.
O filme que deveria abrir o festival, "Challengers", com a jovem estrela norte-americana Zendaya, teve de ser substituído por "Comandante", filme italiano de Edoardo de Angelis, devido ao protesto que está a abalar a indústria de Hollywood.
"O impacto da greve será muito limitado, porque perdemos apenas um filme ('Challengers')", afirmou o diretor da mostra, Alberto Barbera, em entrevista à France-Presse.
"Faltarão algumas estrelas muito aguardadas, mas, no fim das contas, isso não é tão grave", acrescentou na conferência de imprensa.
A exibição de "Ferrari", de Michael Mann, será um dos destaques da mostra, já que, excecionalmente, poderá ser promovido pelos seus atores Adam Driver e Penélope Cruz, esperados na passadeira vermelha, já que o filme foi feito fora do sistema dos grandes estúdios e recebeu uma autorização excecional do sindicado dos atores norte-americanos.
David Fincher ("O Assassino"") e Sofia Coppola ("Priscilla") estão entre os concorrentes ao Leão de Ouro.
"Comandante", com Pierfrancesco Favino, dará início ao festival no Palácio do Cinema, no famoso Lido. O filme baseia-se num episódio pouco conhecido da Segunda Guerra Mundial, quando o comandante de um submarino italiano decidiu salvar a tripulação do navio belga que acabara de afundar.
A edição deste ano contará ainda com a exibição fora de competição do último filme de William Friedkin, 'The Caine Mutiny Court-Martial', um mês após a morte do realizador de "Os Incorruptíveis Contra a Droga" e "O Exorcista".
"O homem e o artista"
A Mostra não estará isenta de polémica, devido à presença de três cineastas que enfrentaram escândalos sexuais.
Entre eles, Roman Polanski, de 90 anos, que segue sob ameaça judicial nos EUA pela violação de uma menor de idade em 1977. A queixosa perdoou-o publicamente, mas outras mulheres apresentaram acusações contra o vencedor do Óscar com "O Pianista".
"Persona non grata" em Hollywood, o cineasta também não tem a passadeira estendida na França, onde uma parte do setor cinematográfico considera Polanski o símbolo de certa impunidade.
E o Festival traz o cineasta de volta aos holofotes com a exibição fora de competição de "The Palace", protagonizado por Fanny Ardant e Mickey Rourke. Segundo fontes da organização, Polanski não deve comparecer ao evento.
Já Woody Allen, 88 anos, apresentará "Coup de Chance", o seu 50.º filme. Allen é assombrado por acusações de abusos da sua filha adotiva Dylan, também há décadas, algo que ele sempre negou. As acusações foram rejeitadas pelos tribunais.
E o francês Luc Besson, que acaba de ser absolvido de uma denúncia de violação, também regressará ao ecrã com "Dogman".
A decisão de convidar os três cineastas provocou a ira de ativistas feministas. Mas, para Alberto Barbera, "é preciso fazer uma distinção entre o homem e o artista".
Entre os 23 filmes selecionados, apenas cinco mulheres disputam o Leão de Ouro, que será entregue no dia 9 de setembro.
"Os filmes de mulheres são poucos (...) obviamente é preciso lutar para que as coisas mudem", reconheceu Barbera.
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