A caminho dos
Óscares 2023
"Ice Merchants" conseguiu o feito histórico de chegar à nomeação aos Óscares mas, na cerimónia deste domingo acabou por não vencer o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação.
Realizado por João Gonzalez e produzido por Bruno Caetano, o primeiro filme português nomeado para as estatuetas douradas de Hollywood perdeu esta madrugada para o grande favorito na sua categoria, “O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo”.
A curta baseia-se no célebre livro do mesmo título de Charlie Mackesy, que realizou o filme com Peter Baynton e tinha todo o peso mediático e financeiro da Apple e várias estrelas no elenco de vozes e na produção.
O sonho da dupla portuguesa chegou ao fim, mas fica uma experiência muito positiva, com explicou ao SAPO Mag em declarações enviadas a partir de Los Angeles, o produtor e nomeado Bruno Caetano.
"Não podíamos deixar de agradecer a todos os que, durante estes últimos meses, estiveram ao nosso lado. Foram inúmeras manifestações de apoio e carinho, onde esse amor pela nossa curta de animação era celebrado", reagiu Bruno Caetano ao SAPO Mag.
"Gostaríamos muito que esta nomeação trouxesse uma maior consciência de que a animação portuguesa é feita por autores super talentosos e está de muito boa saúde", notou.
A presença no Dolby Theatre foi o culminar de um ano muito especial para o cinema português: “O Homem do Lixo”, de Laura Gonçalves, foi a outra curta que chegou ao grupo de 15 finalistas de animação na categoria, e "O Lobo Solitário", de Filipe Melo, integrou o grupo das curtas em imagem real.
"Ice Merchants", de 14 minutos, completamente sem diálogos, conquistou públicos de todo o mundo desde que se tornou uma das raras curtas-metragens de animação portuguesa a ter estreia mundial na Semana da Crítica do Festival de Cannes em maio do ano passado. A seguir, foi a primeira a ser aí premiada, com o troféu Leitz Cine Discovery, destinado à melhor curta-metragem a concurso.
Foi o início de um período recheado de galardões em todo o mundo, que culminou com a nomeação ao Óscar a 24 de janeiro, que levou a uma estreia inédita em mais de 30 salas de cinema comerciais portuguesas a 16 de fevereiro, já a ultrapassar os 7500 espectadores.
Com a nomeação, Gonzalez e Caetano entraram num frenesim de entrevistas, parabenizações e solicitações. A campanha intensificou-se a partir de 13 de fevereiro com a presença no tradicional almoço que junta os nomeados em Los Angeles e ainda mais depois da vitória a 25 de fevereiro em Melhor Curta-Metragem nos Prémios Annie, os mais importantes para o o cinema de animação nos EUA.
Após chegar a este patamar e sobre a possibilidade de conquistarem a seguir o Óscar, o realizador de 27 anos confessara: “Seria algo absolutamente incrível, mas temos de manter os pés na terra. Acho que nenhum de nós acha que é completamente impossível, mas na corrida há, claramente, um ou dois favoritos que, em termos mediáticos, têm mais projeção que nós”.
A Apple "gastou uma fortuna" para promover “O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo”, como recordava a revista The Hollywood Reporter na semana anterior à cerimónia.
Já "Ice Merchants", com apoios neste percurso do Ministério da Cultura, do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e da Câmara Municipal do Porto, tinha na equipa de promoção exatamente quatro pessoas, duas delas os próprios Gonzalez e Caeteno, com Benoit Berthe Siward e Celine Ufenast, da Animation Showcase, a criarem a estratégia até ao fim da votação, às 17h00 de 7 de março.
À Lusa, o produtor descreveu uma “campanha de guerrilha” para promover a obra portuguesa: “É lógico que gostaríamos de ter cartazes nas paragens de autocarro e ‘outdoors’ em Los Angeles, mas quando um ‘outdoor’ o mínimo são 15 mil dólares, nós não temos maneira nenhuma”.
Ou seja, apostou-se em mais entrevistas a meios importantes nos EUA, eventos de exibição e investimento em publicidade direcionada ‘online’ direcionados às cidades onde há maior concentração de membros da Academia, de forma a maximizar o alcance da curta-metragem, com um posto de operação no próprio apartamento onde a dupla estava hospedada durante estas semanas.
Há um mês, o realizador destacava ao SAPO Mag que os Óscares eram, "acima de tudo, uma possibilidade de expor o nosso filme. Porque os Óscares têm aquele fator mediático, toda a gente sabe o que são. Nós fazemos filmes para chegarem às pessoas, e se os Óscares nos ajudarem com isso, ficamos muito felizes, obviamente".
Já a partir de Los Angeles descobriu um outro impacto de estar na corrida aos prémios: “O que me surpreendeu muito pela positiva foi entrar em contacto direto não só com celebridades, mas com membros da Academia e através das conversas perceber que eles realmente tinham visto o filme. As pessoas conheciam e algumas estavam interessadas em falar connosco”.
“Surreal” é como descrevia a experiência de estar na meca do cinema como nomeado: "É um mundo mais caótico do que o que estamos à espera, mas toca-nos muito saber que numa cidade tão grande, mesmo com os nossos recursos limitados, o filme está a chegar às pessoas”.
Caetano também partilhou a surpresa de serem interpelados por pessoas – mesmo produtores de grandes estúdios – que ficaram interessadas ao saber que eles eram os responsáveis por “Ice Merchants”.
“Disseram que adoraram o filme”, contou, e ficaram estupefactas com o facto de ter sido uma animação feita por duas pessoas em cerca de quatro meses.
“É a capacidade portuguesa do desenrasca”, resumia com humor.
Veja o trailer de "Ice Merchants".
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