A caminho dos
Óscares 2018
Em termos de carisma, está longe de ser Cary Grant, mas o anfíbio humanoide de "A Forma da Água" perpetua uma tradição de filmes de monstros que capturou a imaginação do público desde o início do cinema.
A história de amor geneticamente modificado de Guillermo del Toro, entre uma espécie de tritão e uma mulher muda, reafirmou no domingo a popularidade do género ao conquistar quatro Óscares, entre eles os de Melhor Filme e Melhor Realização.
Mas os filmes de monstros vão muito além do terror, indo da comédia e da fantasia à ficção científica, e Del Toro soube capitalizar esse romance do cinema.
"Os monstros nem sempre são aterrorizantes ou malvados. Os monstros da Pixar em 'Monstros e Companhia' [2001], assim como a personagem principal de 'Bigfoot e seus Amigos' [1987], eram encantadores e doces", escreveu John Landis, realizador de "Um Lobisomem Americano em Londres" (1981), no seu livro "Monsters in the Movies".
"Inclusive o monstro mais famoso de todos, o Frankenstein retratado por Boris Karloff" em 1931, 'é vulnerável e compassivo'", acrescentava.
O filme mudo alemão "O Golem" (1920), de Paul Wegener, é considerado o primeiro filme de criaturas, e "Nosferatu, o Vampiro", um dos longas de terror mais emblemáticos da Alemanha, chegou dois anos depois.
Na década de 30, os cineastas americanos entusiasmaram-se com o tema e realizaram uma série de contos góticos com influência alemã, sobre Drácula, Frankenstein, a Múmia e o Homem Invisível.
Décadas depois, filmes como "Parque Jurássico" (1993), "Nome de Código: Cloverfield" (2008), "O Caçador de Trolls" (2010) e "Batalha do Pacífico" (2013), este do próprio Del Toro, foram sucessos de crítica e comercial.
"King Kong" (1933), talvez o monstro mais famoso de todos, tornou-se um ícone cultural através de vários filmes, com as versões mais recentes, "King Kong" (2005) e "Kong: Ilha da Caveira" (2017), arrecadando mais de mil milhões de dólares em todo o mundo.
Paranoia nuclear
O filme do pioneiro dos efeitos visuais Ray Harryhausen "O Monstro dos Tempos Perdidos" (1953) marcou o começo da onda de criaturas dos anos 1950, capitalizando a paranoia nuclear da época.
"O Monstro da Lagoa Negra" (1954) serviu de inspiração para a aparência do humanoide anfíbio de Del Toro em "A Forma da Água".
Kendall Phillips, professor da Universidade de Syracuse e autor de um livro sobre a retórica do terror no cinema americano, assegurou que a "alteridade" dos monstros nos assusta.
Mas também provoca empatia, afirmou, porque "no fundo, todos nós, às vezes, nos sentimos um pouco inadaptados e como monstros".
"King Kong é uma criatura horrível e ameaçadora que faz coisas perigosas, e no entanto você não consegue evitar ter certo nível de compaixão", disse à AFP.
Mas os demónios nem sempre são sucesso no cinema, e entre os fracassos Phillips destacou "A Múmia" (2017).
A ideia era que a história de ação protagonizada por Tom Cruise lançaria a saga "Dark Universe" da Universal, retomando todos os seus monstros clássicos, mas isso ficou em causa quando o filme obteve uma aprovação de 16% no site de críticas Rotten Tomatoes e principalmente por perder cerca de 95 milhões de dólares.
"Carta de amor"
"É engraçado que no mesmo ano Guillermo del Toro lance um filme que é uma bonita carta de amor para essa época, que realmente captura magnificamente o espírito de todos esses monstros", disse Phillips à AFP.
Para o académico, "A Forma da Água" resultou ser o antídoto perfeito para as guerras culturais dos EUA e as contínuas mensagens de certos políticos sobre "temer o outro".
"Temos este filme que conta uma bonita história de amor, sobre duas entidades que se sentem desconectadas e não parte do mundo, e de alguma forma são capazes de fechar essa brecha", disse.
Mas nem todos os filmes que se destacam ganham o Óscar, e um dos maiores trunfos de "A Forma da Água", segundo críticos, é que é inofensivo.
Embora não tenha sido tão querido como o favorito para melhor filme, "Três Cartazes à Beira da Estrada", também não foi detestado.
"Três Cartazes à Beira da Estrada" foi aclamado pela crítica, mas é provável que tenha obtido muitos votos negativos por parecer absolver uma das suas personagens principais, um polícia violento e racista.
Daniel Montgomery, do site Gold Derby, disse que esperava que "A Forma da Água" ganhasse o prémio de melhor filme apesar do seu "romance pouco convencional entre espécies".
"Os filmes nem sempre precisam causar uma boa sensação para ganhar o Óscar. Olhem para vencedores como 'The Departed: Entre Inimigos' (2006) e 'Este País Não é Para Velhos' (2007)", escreveu.
"'Três Cartazes à Beira da Estrada' teria encaixado nesse molde mais pessimista. Mas numa pesquisa de preferências, ser mais agradável pode ajudar", concluiu.
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