Ao subir as escadas do seu prédio, depois da habitual paragem na mercearia para comprar leite, Léon encontra uma criança. As pernas a bambolear, de um piso para o inferior, estão vestidas com leggings de cartoons. O cabelo curto esconde-lhe a cara. Disfarça o cigarro. É assim que Luc Besson nos apresenta a personagem Mathilda, em "Léon, O Profissional". É assim que Léon a conhece, enquanto sobe a escada até casa, depois da habitual paragem na mercearia para comprar dois pacotes de leite.
Léon é um assassino contratado que trabalha por conta de um senhor da máfia italiana, instalado em Nova Iorque. Mathilda é uma criança de 12 anos que, pouco depois do encontro inicial, vê a família ser chacinada por polícias do departamento de combate à droga. Léon é a única esperança de Mathilda para escapar. Mas, chegado ao final deste filme de 1994, veremos que é Léon que sente ter sido salvo por Mathilda.
Numa aproximação instantânea, Mathilda convence Léon a ensinar-lhe a sua arte para vingar-se dos autores da morte da família. A aprendizagem culmina com a confissão de Mathilda, quando diz a Léon que o ama. Mas Mathilda tem 12 anos, como a atriz que lhe deu vida e que aqui iniciou a sua carreira. E Léon é um homem feito.
Em cena estão Natalie Portman e Jean Reno. Em idade pré-adolescente, Portman revela o oposto da simplicidade inocente da personagem de Reno. León é um adulto que não amadureceu – e ainda que seja um assassino, com direito a cenas de violência declarada – é fácil gostar da personagem pelos seus traços pueris. Léon leva um jeito ameninado, patente no sorriso inocente com que vê Gene Kelly em "Dançando nas Nuvens" (1955), sozinho no cinema. Já Mathilda é uma criança endurecida pela vida curta, munida de combat boots e empenhada em crescer – só perante Léon se deixa vencer pela vulnerabilidade. Consciente desta dinâmica, e a encarnar uma personagem feminina forte apesar da tenra idade, Mathilda perturba a aproximação entre os dois, tentando seduzir Léon.
Importa dizer que o filme de Luc Besson foi recebido com controvérsia. A ideia de sexualização de uma atriz criança contagiou a receção deste filme francês. É certo que Natalie Portman capricha no desafio à personagem de Jean Reno. Mas a relação que se desenlaça entre ambos é mais fraternal e emocional do que amorosa ou sexual – até mesmo quando Mathilda sussurra ao ouvido de Léon como imagina a sua primeira vez.
Prevendo esta leitura, os pais de Natalie Portman terão apresentado condições prévias à filmagem, pedindo recuos onde achavam que a atriz estaria exposta a cenas demasiado maduras para a sua idade. A própria Natalie Portman contou, recentemente, que a experiência de "Léon, O Profissional" a ensinou rapidamente a adotar uma postura de menor exposição mediática da sua vida pessoal e do seu próprio corpo. Na Women's March, em janeiro deste ano, em Los Angeles, a atriz pediu uma revolução em que não seja necessário assumir este tipo de comportamento como meio de autoproteção.
Apesar dos esforços, a crítica social e política ficou associada ao filme. A marca deve-se também ao facto de Luc Besson ter encontrado inspiração na sua relação com Maïwenn Le Besco: ela tinha 15 anos e ele 31.
Ainda assim, "Léon, o Profissional" tornou-se um filme de culto. Estão lá os elementos que interessam para a consagração: a interpretação singular de Natalie Portman; a voz de Björk na banda sonora (“Venus as a a Boy”); a escolha do icónico The Chelsea Hotel para filmar algumas cenas. A participação de Gary Oldman também tem de ser considerada, ele que deu a Léon uma das falas mais conhecidas (“bring me everyone”) e que consegue, em qualquer papel, revelar-se um dos melhores atores dos nossos tempos.
Sim, este é um filme de culto e a cultura pop já o provou. Os Alt-J inspiraram-se nesta história para a música “Matilda” e é preciso chegar ao final de Léon para assistir à deixa do protagonista, com grande carga dramática e intensidade, que a banda britânica utilizou: “this is from Mathilda”. Mais tarde, os Alt-J homenagearam também a personagem de Jean Reno ao cantar “She loves you, Leon”, numa música com o nome do protagonista.
De Besson falta ainda dizer que está na lista o seu "O Quinto Elemento" (1997). Além de "Nikita - Dura de Matar" (1990), estes serão os três filmes que vale a pena ver do realizador francês. A crítica assim o dá a entender e basta olhar para a filmografia de Besson pós-anos 1990 para acreditar.
Comentários