“Um disco que de alguma forma me surpreendeu", disse o fadista à agência Lusa. "Era para ser de celebração e acabou por ser de vulnerabilidade, e foi o assumir desse lugar de coragem, que de alguma forma fez construir e crescer este disco”.
Em “Venham Mais Vinte” Duarte retoma, noutras roupagens musicais, temas de anteriores álbuns como “Estado Limite” (José Carlos Barros/Fado Licas, de Armando Machado), "Meus Olhos que Por Alguém"(António Botto/Fado Dois Tons, de Alberto Costa) e “Deixou de Ser Outra Coisa” (Duarte/Luciano Maia).
Para o fadista este disco foi um risco assumido: “Será que conseguimos ter Duarte quando ele dança com outros géneros musicais, sem perder as características e a identidade?", interrogou-se. Portanto, disse, "Foi também o arriscar nesse sentido”.
Duarte entende que a arte implica risco, tentar sempre “desenvolver a personalidade artística”, arriscar, não estagnar.
Sobre o recuperar canções do seu repertório, Duarte afirmou: “Não gosto da ideia das canções que findam passados os 15 minutos que os discos saem”.
“Gosto da ideia de poder deixar objetos que tentam ficar no nosso tempo, que tentem até passar várias fases e até vários lugares em que possamos viver com eles, mesmo quando esses objetos vão sendo mudados ou alterados. Gosto dessa ideia da companhia das canções e não do esgotamento da canção quando já se ouve tipo 'pastilha elástica'”.
A possibilidade de este álbum indicar novos caminhos musicais é uma “perspetiva válida”, mas “não deixa de ter alguns dos ingredientes" com que o fadista foi lidando, "fazendo acompanhar a matriz fadista, que sempre" tentou "preservar e ter”.
Deste modo, "Venham mais Vinte", afirmou, é "um disco que, sem querer, tal como os anteriores, se tornou conceptual, em torno do conceito de vulnerabilidade”.
“Se o disco anterior [‘No Lugar Dela’(2021)] tinha sido sobre empatia, que é uma coisa que os estudiosos dizem que andamos a perder, com esta vulnerabilidade parece que andamos a ganhá-la. Esteve muitos anos ligada a um universo feminino, mas acaba por um conceito do masculino e do feminino. Esta vulnerabilidade não tem género, apesar de os homens terem andando durante muitos anos a tentar esconder-se ou a fugir dela“.
“Sem pensar muito no assunto acabei por fazer um disco que uns dizem que é alternativo", disse Duarte à Lusa. "Eu gosto da ideia do risco, e gosto da ideia de ter arriscado em fazer um disco até pegando nas coisas que já tinha gravado, e tentasse que não perdessem a sua identidade de origem, mas que pudessem ser vestidas com outros ambientes musicais”.
Entre "os amigos” que se juntaram ao projeto, estão Vitorino, no tema “Maria da Solidão” (Duarte/Vitorino), Mena, com a sua guitarra elétrica em “ReViraVolta” (Duarte), João Pita e Pedro Segundo, em “Obrigado” (Duarte/Cláudia Lucas Chéu), o pianista Filipe Raposo, em “Não Importou que ficasse” (Duarte), Ricardo Ribeiro e o Grupo de Cantares de Évora, em “Do Vagar” (Duarte/Carlos Menezes).
O Grupo de Cantares é um companheiro de “há muitos anos”, desde o álbum “Terra da Melancolia” (2009), tendo partilhado “imensos espetáculos, até para celebração” da inscrição do cante na lista do Património Imaterial pela Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura (UNESCO), assim como da classificação do Fado na mesma lista, ou da cidade de Évora, como Património Mundial da Humanidade.
Sobre o tema “Do Vagar”, que partilha com o grupo e o fadista Ricardo Ribeiro, Duarte explicou à Lusa a sua criação: “Este ‘Do Vagar’ surgiu de uma proposta do [músico] Carlos Menezes que acabou por produzir o disco comigo, de eu poder escrever sobre esse conceito do vagar, sendo eu um alentejano, que nasceu neste lugar do vagar. Como eu podia escrever sobre este vagar, surgiu esta letra, o Carlos [Menezes] depois compôs a música e começou a fazer sentido o cantar este vagar não sozinho, mas com companheiros, já que o vagar não é uma coisa só”.
Questionado sobre a relevância da UNESCO ter classificado o cante, há dez anos, o músico eborense realçou a projeção mediática que trouxe a esta expressão, “um fenómeno que aconteceu também com o fado”, classificado como património imaterial em 2011.
“Quando as coisas ganham essa dimensão de património imaterial, essas mesmas coisas são faladas", disse Duarte. "Agora, eu gosto de pensar que essa marca de património imaterial traz mais responsabilidade, a quem dele faz parte, para preservar a forma e a vivência”.
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