O espetáculo, que é apresentado no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, é parte de um projeto interdisciplinar participativo, que envolve música e artes visuais, e resulta de uma encomenda da Gulbenkian ao artista visual e sonoro greco-britânico Mikhail Karikis, para refletir sobre a noção de revolução.
“O projeto é, de certa forma, uma celebração dos 50 anos da ‘Revolução dos Cravos’, mas a questão principal é: como podemos criar música e arte agora - envolvendo a geração mais nova de portugueses - que não só comemora e pensa sobre o passado, mas também reflete sobre o presente e constrói pontes para o futuro”, explicou Mikhail Karikis à agência Lusa, à margem de um ensaio do espetáculo.
As palavras e a música que vão ouvir-se em palco foram criadas em colaboração com cerca de 50 rapazes e raparigas, com idades entre os 14 e 19 anos, que frequentam o Artallis.
A base das músicas “foi criada através de improvisação” com os adolescentes, tendo depois o material criado sido trabalhado por Karikis e três compositores portugueses - Sara Ross, Teresa Gentil e Francisco Joaquim. O resultado são “temas quase sinfónicos que incluem uma grande orquestra e coro”.
O coro é composto pelos jovens, que além da voz usam o corpo como instrumento, e remete para o espírito do Artallis: “Tu chegas e és suficiente como és, podes fazer com o que tens”.
“Se não tiveres fundos ou estrutura à tua volta para sustentar a educação musical, que é dispendiosa porque implica comprar instrumentos e ter salas especiais onde se possa ensaiar, ainda podes ser uma pessoa criativa incrível e um músico fantástico. E isto é o que vemos aqui. Estes estudantes, embora ensaiem e aprendam numa escola feita de contentores, sem instalação de som, ao lado do aeroporto, com aviões a passar a cada segundo, são músicos fantásticos e ótimos profissionais com imensa imaginação”, referiu Mikhail Karikis.
A música surgiu ao longo de vários ‘workshops’ realizados no último ano, onde os jovens foram também desafiados a partilharem opiniões acerca de vários temas. As conversas deram depois origem às palavras que cantam e dizem no espetáculo.
“Juntando o trabalho criativo dos compositores, acho que conseguiram muito bem passar isso para a música e para o palco, através das nossas coreografias, daquilo que estamos a dizer, do impacto de toda a nossa expressão corporal. Se vierem ver o espetáculo, vão perceber a nossa luta”, disse à Lusa Martim Cabral, de 18 anos, estudante de saxofone no Artallis e um dos participantes no espetáculo.
No ano em que terminaram o ensino secundário, e tiveram de se preparar para os exames nacionais, Martim Cabral e Carolina Ferreira, também com 18 anos, encararam o convite para participar neste projeto com alguma apreensão, que entretanto se esbateu.
“Hoje em dia penso que foi uma boa oportunidade para trabalhar com a Gulbenkian, que é uma grande instituição, e também para percebermos mais sobre a revolução”, partilhou com a Lusa esta estudante de clarinete.
Para Martim, “foi bom encarar o desafio”. “Acho que é uma grande luta, porque é um projeto que abrange vários temas que são importantes abordar e importante serem relembrados, ainda por cima numa data tão forte como são os 50 anos do 25 de Abril, e acho que conseguimos abordá-los neste projeto”, disse.
Entre as preocupações que inquietam estes jovens estão o desemprego, a habitação, ter de deixar o país à procura de novas oportunidades, assim como as alterações climáticas.
“E o projeto oferece soluções, que eles próprios encontraram: podíamos ouvir-nos mais uns aos outros, podíamos dançar juntos, ter mais respeito uns pelos outros, lutar mais, podemos ajudar as pessoas que não conseguem ajudar-se”, partilhou Mikhail Karikis, referindo que “o espírito de união é algo que atravessa este projeto como um som muito vital que é revolucionário”.
O artista espera que quem vir o espetáculo “receba de mente aberta” as soluções apresentadas.
“Se abraçarem uma das várias sugestões que estes jovens fazem, as tornarem parte do seu dia-a-dia e perceberem que podemos mudar as coisas, que está nas nossas mãos, então o projeto teve sucesso”, disse.
Depois da apresentação do espetáculo, às 17h00 de sábado, com entrada gratuita mediante levantamento de bilhete no próprio dia, Mikhail Karikis regressa ao Artallis “para criar um filme com os estudantes”.
O projeto “Sons de uma Revolução” inclui também uma instalação audiovisual, da autoria do artista, que deverá estar em exposição no Centro de Arte Moderna daqui a cerca de um ano.
Embora o projeto termine aí, “irá continuar de outras maneiras”.
“O facto de a música e a arte terem vida para lá da Gulbenkian é uma continuação do projeto. A música e o trabalho artístico serão mostrados internacionalmente, e gostava de colaborar com alguns participantes noutros projetos”, partilhou Mikhail Karikis.
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