A história: Cinco jovens lidam de perto com o VIH na Londres dos anos 1980. Entre preconceitos, desconhecimento e medo, descobrem que a vida é uma festa até no mais negro dos cenários.
"It´s a Sin": a minissérie de cinco episódios está disponível na HBO desde 23 de janeiro.
Crítica de Filipa Moreno
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Há poucas séries que, sem sustos ou ação, nos fazem levar a mão à boca em choque. Bastou para isso uma frase no último dos cinco episódios de "It’s a Sin", a série britânica do Channel 4 disponível na HBO que situa cinco jovens na Londres dos anos 1980.
Não se deixem enganar pelos brilhos, bolas de disco, chumaços nos ombros e gel no cabelo: aqui o tema é sério. Mas, não fossem os 80s, é encarado como se a vida fosse uma festa constante e como se a batida de “It’s a Sin”, dos Pet Shop Boys, estivesse em "loop" permanente nos nossos ouvidos.
Diz a música que dá nome à série: “so I look back upon my life, forever with a sense of shame” [“Olho para a minha vida sempre com um sentimento de vergonha”]. Vergonha é o prato forte desta história, que conta como o VIH [Vírus da Imunodeficiência Humana] e a SIDA roubaram a vida a tantas pessoas e como o vírus infetou as mentes conservadoras da altura, qual pandemia que devora o bom senso a troco da ignorância.
O cenário pandémico é familiar e assustador. Décadas depois, atira-nos para um momento da história que já parece distante, para uma altura em que se acreditava que um vírus atacava um só grupo e, por coincidência, um que se pensava ter comportamentos indecentes.
Ritchie (Olly Alexander, sim, o vocalista e líder da banda Years & Years), Colin (Callum Scott Howells), Jill (Lydia West), Roscoe (Omari Douglas) e Ash (Nathaniel Curtis) são os rostos por detrás dos preconceitos.
Destacam-se Ritchie, que se esconde dos pais tanto quanto consegue, compensando o segredo com uma sede de viver inesgotável, naquela cidade vibrante; Roscoe, que assume a homossexualidade com pompa, circunstância e sombra azul nos olhos, para choque da família nigeriana tradicional que o julga possuído por um demónio; e Jill, a quem dizem que é demasiado nova para ter ido a tantos funerais, que estende a mão a quem se refugia no silêncio.
Não é spoiler dizer que os funerais se sucedem. "It´s a Sin" faz questão de frisar a rapidez e a cadência das mortes, acentuando os números que ficaram perdidos num lugar estranho da história. Também se mostra a variedade de sintomas, diagnósticos médicos e mitos, que Ritchie tão bem resume num monólogo bastante gráfico e soberbo, de realização impecável.
A vergonha, o silêncio e a culpa (de quem é infetado ou infeta e das famílias) são um cocktail venenoso. E, ainda assim, como uma luz fluorescente que corta a pista de dança quando aquela música começa a tocar, são a amizade, o amor e a compaixão que rompem esta história.
A propósito de música, vale a pena espreitar outros nomes da banda sonora: Blondie, Joy Division, Wham!, Culture Club... não é raro ver uma série atual que aposte tanto nos clássicos?
O sucesso de uma série já não se calcule só pelo número de visualizações, mas pela forma como atravessa a fronteira da ficção para a realidade. "It’s a Sin" gerou um aumento do número de testes de HIV, provando que ajudou a educar opiniões e a despertar consciências.
Com a atuação imponente dos protagonistas, a realização sensível de Peter Hoard e a história emocionante de Russell T. Davies (criador de séries como “Years and Years” e “Queer as Folk”), "It’s a Sin" é aquela lufada de ar fresco no panorama televisivo. E é a confirmação de que a vida é mesmo uma festa, até no mais negro dos cenários, e que mais vale aproveitar o tempo que resta. Até porque quem quer viver para sempre?
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