“Uma Réstia de Temor – Variações sobre Édipo” é o nome da obra a estrear na próxima quinta-feira, dia 14, no teatro Cinearte, em Lisboa, uma encenação e espaço cénico de Rita Lello, com estreia absoluta em Portugal, com a qual a atriz e encenadora regressa à escrita do vencedor do Pulitzer de Teatro com “Buried Child” (1979), nove anos depois de, no mesmo palco, ter posto dirigido “Angel City”.

Admiradora confessa da escrita de Sam Shepard (1943-2017), Rita Lello – que “achava que um dia ia conhecer” o cineasta, escritor e dramaturgo – chegou a esta peça do nomeado para o Óscar de Melhor Ator Secundário pelo desempenho no filme “Os Eleitos”, pouco depois da morte deste, em 2017.

Na altura, questionou-se sobre qual teria sido o último trabalho do autor e foi à procura, observou.

Sam Shepard ainda era vivo quado a peça foi estreada, em 2014, mas aquilo que, para o escritor, era o início de um ciclo de revisitação dos textos clássicos, acabou por se tornar na sua peça "testamentária”.

"Uma Réstia de Temor" é uma “revisitação do mito do rei Édipo, um tema "universal" que a autora admira e lhe é próximo, dado já ter feito duas Antígonas (protagonista da tragédia de Sófocles, filha da relação incestuosa entre o rei Édipo e sua mãe Jocasta).

A “escrita contemporânea e hiperativa” do “enorme dramaturgo” que foi Sam Shepard, aliada ao facto de o autor revisitar o mito grego conjugando-o com o universo dramatúrgico que sempre lhe interessara - as questões da violência, da “doença da família americana, os problemas da sociedade contemporânea e a intolerância” - foram outros dos pontos de interesse para a encenadora.

A peça centra-se nas personagens originais da tragédia (rei Édipo, Jocasta, o adivinho-sacerdote Tirésias, Antígua e o rei Laio, ainda que esta personagem nunca apareça fisicamente, mas seja mencionada), com o autor a pô-las como arquétipos e a desdobrá-las noutras personagens, mais próximas do mito ou da realidade norte-americana, explicou a encenadora.

O autor regressa assim a temas que sempre lhe foram caros, como a obsessão com a figura do pai, com o que este representa, o que desempenha e a forma como influencia os destinos da família naquela sociedade patriarcal norte-americana, referiu.

As "feridas" da sociedade ocidental são aqui tratadas de forma satírica, naquela que é a última reflexão do dramaturgo sobre os temas que sempre o apaixonaram. Temas que nos acompanham a todos desde que nascemos e aos quais não podemos fugir, como a família, a hereditariedade, o destino e o livre arbítrio, frisou a encenadora à Lusa.

“Aqui ele representa aquela dimensão do pai falível, do pai que falhou”, numa ação em que introduz uma criatura “proscrita da sociedade sobre quem recaem todas as culpas”, e que é “conduzida” por dois polícias – “um detetive forense e um polícia típico de autoestrada da América interior”, indicou.

Rita Lello enfatizou ainda a "dimensão sarcástica" e de humor surrealista em que o escritor norte-americano se rodeou de uma história que foi fonte para uma tragédia de Sófocles, conferindo-lhe depois “o cúmulo do risível" ao acrescentar-lhe o "quotidiano" e "aproximá-lo" da realidade norte-americana.

A ação desta “comédia negra” passa-se num cenário “muito reduzido”.

Nas palavras da encenadora, passa-se num “não-lugar”, por se tratar de um lugar que "não serve as ações que ali decorrem".

Um espaço de abandono, onde “coisas que um dia tiveram valor na sociedade são deixadas para trás, como um resto, um desperdício” e que em palco se traduz numa aproximação a um centro de abate automóvel.

Um universo “muito particular” que a encenadora diz “ter cada vez mais a ver com o nosso universo” e em que a maior dificuldade que sentiu ao pôr o espetáculo em cena foi “resistir à tentação de adaptar a peça para o universo português”, sublinhou à Lusa.

Com tradução de Rita Vasconcelos Marques e banda sonora tocada ao vivo e semi-improvisada, interpretam a peça Adérito Lopes, Cláudio Castro, Érica Galiza, João Duarte, Samuel Moura, Sérgio Moras, Sónia Barradas e Rita Garcia.

Em Lisboa, "Uma Réstia de Temor" pode ser vista de quarta-feira a sábado, às 21:30, e, ao domingo, às 17:00.