Para o encenador que põe a peça em cena no Teatro S. Luiz, em Lisboa, o amor incondicional é o tema fundamental da obra, abordando também a perda, o luto, a sororidade, o feminino e as mulheres, que atravessam o espetáculo, tal como o filme homónimo de 1999 de Pedro Almodóvar, o preferido do cofundador do Teatro do Vão e programador cultural da RTP2.
Levar a obra a palco significa o “concretizar de um sonhos de anos”, disse Gorjão, no final de um ensaio aberto à imprensa. Para o tornar realidade, escolheu assim uma encenação minimal, muito estilizada, de montagem muito pouco naturalista e figurino quase de alta costura. Como o trabalho em palco.
“O amor incondicional é que te faz sentir e vivenciar a vida como elas [as mulheres] o espelham durante a peça, e isso é o motor da vida, mas é o motor da peça também”, sublinhou o diretor artístico, acrescentando ter posto em cena uma espetáculo “fiel” à sua estética e à sua forma de fazer teatro.
"Não foi por fazer este texto, que parte de um filme, que fui fazer outro tipo de teatro", acrescentou Daniel Gorjão, justificando a opção por uma encenação “muito minimalista e muito estilizada”, como gosta, e “se calhar até um bocadinho inesperada (...) para quem vem do filme ou já viu outras montagens deste espetáculo, que tendem a ser mais naturalistas”.
Sem cenário, no sentido de que não há casas, hospitais ou móveis, mas apenas apontamentos cénicos - que o diretor classifica como uma “ode ao teatro e ao cinema de Almodóvar” -, “Tudo Sobre a Minha Mãe” começa com um monólogo de Esteban, o filho da protagonista Manuela, que morre no dia em que completaria 17 anos, no qual discorre sobre a sua vida, a sua mãe e a curiosidade de conhecer o pai.
"Tudo Sobre a Minha Mãe" centra-se assim numa mãe solteira que perde o filho num acidente, e que acaba por encontrar uma hipótese de futuro, através da rede de cumplicidades, amizades, "sororidades" sobre a qual a obra se desenvolve.
A versão para teatro do dramaturgo e argumentista australiano Samuel Adamson, residente no Reino Unido, estreou-se em setembro de 2007, no Old Vic Theatre, em Londres, numa encenação do diretor irlandês de ópera Tom Cairns, e coprodução de Sam Mendes e Kevin Spacey, que dirigia o Old Vic desde 2004.
A versão original para cinema, que Gorjão considera o melhor filme de Almodóvar, vencera em 2000 o Óscar e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, um ano depois de conquistado o prémio de Melhor Realizador no Festival de Cannes.
Numa peça que não difere muito do filme, em que o encenador fez questão de pôr em palco sem o rever, apenas o final se destaca do da película, com a introdução de uma parte de “Bodas de Sangue”, de Federico García Lorca, peça muito falada durante o espetáculo.
Um final que, segundo Daniel Gorjão, acaba também por conferir “uma maior redenção às personagens”.
A linguagem cinematográfica cruza igualmente todo o espetáculo, com as personagens a serem filmadas, momentaneamente e à vez. A câmara aproxima-se de cada uma à medida que vão atingindo o ponto mais alto de exposição íntima, e as imagens são projetadas num ecrã gigante, que ocupa todo o fundo do palco, conferindo a cada uma, também momentaneamente e à vez, proximidade com o público.
Com o vídeo e as caixas pretas, uma constante em palco - também comuns ao teatro e ao cinema -, Daniel Gorjão confere uma fluência à peça, apesar da densidade e do peso do seu tema e da sua ação, assim como a opção por adereços banais, de todos os dias.
O uso do vídeo permitiu igualmente a Daniel Gorjão “ampliar tudo o que é emoção e torná-la mais próxima do público”, optando por uma encenação em que há “um lado do teatro, das atrizes, de jogo e de brincar, o que acaba por tornar isto [o espetáculo] noutro objeto”.
Numa peça que Daniel Gorjão admite sido a “mais difícil” de fazer, pelas imposições inerentes aos direitos de autor, que obrigam a não se cortar texto e ao uso da música original do filme, de Alberto Iglésias, “Tudo Sobre a Minha Mãe” reúne o elenco que o ator e encenador escolheu.
“Um grande elenco”, que vai de Sílvia Filipe a interpretar Manuela – um papel para o qual Gorjão tinha convidado Maria João Abreu, que entretanto morreu -, a Maria João Luís, como Huma Rojo, e à mulher 'trans' Gaya de Medeiros no papel de Agrado, aos quais se juntam André Patrício, Catarina Wallenstein, Filipa Leão, Filipa Matta, João Candeias Luís, João Sá Nogueira, Maria João Vicente, e Teresa Tavares.
No S. Luiz, a peça estará em cena na sala Luis Miguel Cintra até 22 de janeiro, com sessões de quarta-feira a sábado, às 20h00, e, ao domingo, às 17h30. No dia 20 de janeiro, a sessão terá tradução em Língua Gestual Portuguesa e, nos dias 20 e 22, haverá audiodescrição.
De 27 a 29 de janeiro, subirá ao palco do Teatro Municipal do Porto – Campo Alegre.
Com direção artística de Daniel Gorjão e assistência de encenação de João Candeias Luís e Filipa Leão, “Tudo Sobre a Minha Mãe” tem tradução para português de Hugo van der Ding.
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