Interpretado por Cristóvão Campos, o monólogo tem encenação de Rui Neto e o texto interessava ao encenador “desde há cerca de dez anos", quando viu uma encenação feita pelo próprio autor, como disse à agência Lusa no final de um ensaio de imprensa.
Rui Neto, que sempre se imaginou a representar este texto em palco, como confessou, acaba agora por encená-lo, considerando-o “um exercício extraordinário de composição para o ator”.
"Monóculo" tem por base temas que são “muito queridos” ao encenador. Situa-se em 1926 quando o pintor Otto Dix, no seu atelier, em Berlim, faz o retrato da jornalista Sylvia von Harden.
Para Rui Neto, "Monóculo" é um exemplo “de uma época muito marcante na humanidade, o período entre as duas guerras mundiais”, acabando por retratar também os “loucos anos 20, sobretudo em Berlim, em que uma explosão artística, social e sexual” traz “uma grande metamorfose para a sociedade”.
“A reflexão sobre esse período e a forma como nós hoje também ainda nos relacionamos com muitas destas questões, era para mim importante trazer para a cena”, disse o encenador, sublinhando que a peça trata de temas “ainda muito prementes” na atualidade.
De um texto que acaba por ser “uma recriação do que teria sido a pintura de Otto Dix enquanto retratava Sylvia von Harden, e de um diálogo imaginado entre os dois”, a peça transpõe para palco uma “desconstrução da sociedade da época”, referiu.
Além de retratar um período importante do ponto de vista artístico, “Monóculo” - que Sylvia Von Harden usava enquanto era retratada – aborda “uma nova objetividade que desconstruía e espelhava na verdade todas as mudanças sociais que estavam a ocorrer”.
Antes de mais, há a ideia de “uma nova mulher, que ocupava um papel cada vez mais destacado na sociedade”, pois Sylvia não só era jornalista como estava completamente embrenhada no universo masculino dos cabarés.
A postura da retratada, o seu curto corte de cabelo, a sua estatura e a forma como fumava publicamente atentam contra uma realidade que imperava à época e acabam por definir uma imagem de beleza de mulher que não era a explorada pela pintura da época, acrescentou o encenador.
Daí que com este retrato “desconstrói-se ainda o lado decorativo que a pintura tinha na altura”, pois a retratada “não possuía uma imagem muito apelativa para a época, ou para os cânones da época”, indicou.
“Monócolo” assume também importância ao questionar temas ainda atuais, como questões de género e o papel da mulher na sociedade, disse.
Sobre a questão de a interpretação ser entregue a um homem, Rui Neto diz ter optado pela indicação do autor do texto, assumindo desde logo que Cristóvão Campos era “a escolha óbvia na primeira linha”, dado terem “uma grande sintonia em termos de trabalho”.
Em cena na sala Vermelha do Teatro Aberto, a peça tem dramaturgia de Vera San Payo de Lemos, cenário e figurinos de Marisa Fernandes, desenho de luz de Diana dos Santos e vídeo de Jorge Albuquerque.
A peça fica em cena até 3 de novembro, com récitas à quarta e quinta-feira, às 19h00, à sexta-feira e sábado, às 21h30, e, ao domingo, às 16h00.
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