Mauricio de Sousa, prestes a completar 87 anos, está em Portugal a convite do festival de banda desenhada AmadoraBD, a propósito dos 60 anos da criação da personagem Mônica, que se tornou uma das protagonista do seu percurso artístico e responsável por um pequeno império de entretenimento no Brasil.
O autor brasileiro já esteve várias vezes em Portugal, e em particular na Amadora, mas o pretexto desta vez é uma retrospetiva da personagem de ficção Mônica, a menina refilona e de personalidade forte, que surgiu pela primeira vez em 1963 numa banda desenhada de Cebolinha.
Num encontro hoje com jornalistas, Mauricio de Sousa desvendou alguns dos projetos que estão em curso, muito para lá das páginas das histórias de quadradinhos, contou de onde surgem as personagens e lembrou, acima de tudo, que é para as crianças que trabalha.
Mauricio de Sousa, que em criança aprendeu a ler com a banda desenhada, começou a desenhar e a criar a partir dos anos 1950, mas as personagens eram praticamente só rapazes, como Franjinha e Cebolinha, até que criou Mônica, inspirada numa das suas filhas – e cuja popularidade a tornou numa das mais célebres da banda desenhada brasileira.
Hoje, o seu público não é apenas leitor de BD, porque o universo se expandiu para outros meios, para cinema, televisão, para parques temáticos, videojogos, aplicações e uma enorme profusão de produtos de marketing.
“Continuo gostando das minhas histórias, porque fui eu que escrevi, eu é que criei. Eu estou acompanhando a coisa viva. O material que já existia no começo continua interessante para o nosso público; não envelhecemos na área da criação. E estamos inventando mais. Vamos produzir cada vez mais filmes da Turma da Mônica”, disse hoje aos jornalistas portugueses.
Atualmente, a Mauricio de Sousa Produções – a empresa que gere e gera todo o universo criativo -, tem vários projetos em produção, nomeadamente três filmes, um dos quais a partir da personagem Chico Bento, mas em imagem real.
E em 2024 vai sair um filme biográfico sobre Mauricio de Sousa, que será interpretado por um dos filhos, Mauro Sousa, e está prevista a criação de uma longa-metragem de animação protagonizada por outra personagem que é o alterego do desenhador, o dinossauro Horácio, também criado em 1963.
Se Mônica é hoje considerada uma personagem feminista, de empoderamento, e cuja agressividade das histórias iniciais foi sendo desvanecida ao longo do tempo, Mauricio de Sousa admite que a galeria de personagens precisa de estar relacionada com novas realidades e novos públicos, mais diversos.
“Está sempre na hora de trabalhar uma coisa nova, uma história nova, um lançamento de personagens novas. Às vezes até não baseados em alguém da família. A minha família é muito grande e cheia de artistas. É preciso inventar alguma coisa também”, admitiu.
Até porque Mauricio de Sousa sabe que o seu trabalho tem impacto, sobretudo no Brasil, onde a banda desenhada serviu durante décadas como um meio de aprendizagem e de primeiro contacto com a leitura.
“No Brasil, provavelmente, as histórias em quadrinhos alfabetizam muitas crianças analfabetas. Vão ver as letrinhas e desenvolver a alfabetização. Milhões de pessoas foram alfabetizadas com as nossas historinhas. Fico muito feliz, quando centenas, às vezes milhares de crianças levantam a mão e dizem que se alfabetizaram com a ‘Turma da Mônica'. Isso é uma das principais vitórias nossas”, afirmou.
Mauricio de Sousa é membro da centenária Academia Paulista de Letras, mas este ano falhou a eleição como membro da Academia Brasileira de Letras.
“Eu acho que simplesmente havia um bloco dentro da academia que não gosta de banda desenhada. Eles acham que não é literatura. Eu acho que é, mais do que literatura, mais do que quilos e quilos de letras e palavras. É uma questão de cabeça. Cada um tem o seu modo de enxergar. Acho que a história em quadrinho, ‘fumetti’, ‘comics’ é tão importante para a leitura, para a criança aprender a ler, do que qualquer outra coisa”, defendeu o autor.
Aos 87 anos, Mauricio de Sousa praticamente já não desenha, mas faz questão de manter o contacto com os leitores e acompanhar o trabalho na empresa que ainda preside.
“Praticamente estou todo o dia no nosso estúdio, olhando, vendo, acompanhando, eventualmente aqui ou ali alterando alguma coisa que precisa de ser melhor. Não pode sair da filosofia de comportamento das personagens. (…) Nós temos que falar a língua da criançada, temos que chegar à criança da maneira que a gente puder, com abertura intelectual."
O festival de banda desenhada AmadoraBD começou na quinta-feira e termina no dia 29.
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