Além da atriz, encenadora e dramaturga, Luzia Maria Martins, com a atriz Helena Félix, esteve na fundação da companhia que resistia à ditadura do Estado Novo pondo em palco peças de autores europeus como August Strindberg, John Osborne, Edward Bond e Marguerite Duras, autores censurados como Luís de Sttau Monteiro e Maxwell Anderson.
O Teatro Moderno de Lisboa, fundado em 1961, que funcionava no Cinema Império, "que acabou [em 1965], mas que fez coisas muito importantes", onde estiveram atores como Carmen Dolores, Armando Cortez, Rogério Paulo e Fernando Gusmão, e o Teatro Experimental de Cascais, fundado em 1965 por Carlos Avilez e João Vasco, que continua ativa, contavam-se entre as companhias de teatro independente, lembrou em entrevista à agência Lusa. Marcaram a época e abriram portas que então mais ninguém ousava abrir.
A Comuna, que nasceu "sendo uma companhia de teatro, é contra o teatro" de receitas feitas, de "debitadores de texto", sustentou o ator e encenador que fundou a companhia, aos 29 anos, depois de ter trabalhado em França, no início da década de 1970, com o encenador inglês Peter Brook (1925-2022).
O encenador britânico perguntou-lhe mesmo se "queria ficar em França", ao que João Mota respondeu que não, alegando que tinha coisas que fazer em Portugal". Além de ter a mãe, "que estava completamente cega".
Havia "uma força" de teatro em Portugal antes do 25 de Abril, lembrou, citando ainda o teatro universitário que se fazia em Lisboa, Coimbra e Porto.
"Eles faziam-nos pensar com os espectáculos que faziam", frisou, recordando o Teatro Universitário do Porto (TUP), fundado em 1948, pelo professor Hêrnani Monteiro e por estudantes de Medicina, e o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), que se apresentou pela primeira vez ao público em 1938, com direção artística de Paulo Quintela e que, no final de década de 1960, acolhe novos encenadores como Luís Lima e Júlio Castronuovo. E havia o Grupo de Teatro de Letras, da Universidade de Lisboa, de onde vieram atores e encenadores como Jorge Silva Melo e Luis Miguel Cintra.
"Eu via o que se fazia em Lisboa e no Porto, e continuava no Teatro Nacional, na companhia Rey-Colaço - Robles Monteiro", recordou João Mota à Lusa. "Estava com Milu a protagonizar uma peça no Teatro Monumental - 'A casa das cabras' -, que abandonei ao fim de dez dias para ir para França trabalhar com Peter Brook, no Centre International de Recherce Théâtrale [CIRT]".
O empresário Vasco Morgado disse-lhe então para não ir. Mas o ator e encenador Armando Cortez, que dirigia a peça, aconselhou-o "a não perder a oportunidade". "Vais aprender mais do que aquilo que podes aprender cá", disse-lhe.
Quando pensou criar A Comuna, em 1972, um ano depois de ter fundado Os Bonecreiros, a ideia era criar uma companhia que "não era contra o teatro", era "dizer que o ator é um criador, não é um debitador de textos, e isto tem uma importância muito grande", enfatizou.
"O ator é o criador onde habita o texto", como ensinou Peter Brook, enquanto um debitador de texto se limita a interpretar "o melhor que sabia e podia", sem trabalhar "o corpo, a respiração, a improvisação, a leitura e a análise de textos".
Antes de Abril, havia também "uma proibição muito grande". "E o teatro universitário tinha esse lado, essa coisa nova", observou.
Quando convidou os atores para fazer A Comuna foi para fazer "uma coisa diferente".
Partiram, então, de improvisações ou de grandes textos, como o "Auto da barca" e o "Auto da alma" de Gil Vicente, em que a personagem do Anjo andava de cadeira de rodas e a Alma saía pela porta da rua para ir para o quotidiano, "que é o céu ou o inferno".
"É no quotidiano que temos de nos habituar a viver. Não ia para o céu, porque o céu não está à venda", explicou João Mota. Temos "de o conquistar, na vida, cá, que é o céu e o inferno".
Estes textos passaram pelo crivo da ditadura. Outros, que puseram em cena ente 1972 e 1974, como "As brincadeiras", "A ceia", "Vamos para Maljukipi”, sempre recusando subsídios do Estado, acabaram por levar com "uma censura forte".
"Imaginação ao poder" foi um lema que aprendeu com o Maio de 1968, argumentou João Mota. E explicou: a imaginação é fazer "um texto baseado na Bíblia, no Corão, na poesia de Pedro Homem de Mello", de que gosta, "e fazer o espectáculo com os mesmos textos mas de outra forma, que era a maneira de escapar à censura".
"A forma é uma coisa; o conteúdo é mais importante. E a forma a gente faz como quer".
Questionado sobre se reconhece quem continue a fazer teatro independente em Portugal, João Mota disse que sim. Mesmo que as companhias sejam subsidiadas pelo Estado, até porque os montantes de financiamento "são ridículos".
"Tenho alunos que continuam a fazer, felizmente. E Miguel Seabra [diretor artístico do Teatro Meridional com Natália Luiza] também continua a fazer um teatro muito importante", concluiu.
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