A histórica série “Doctor Who”, que se estreou originalmente na BBC em 1963, vai fazer história no regresso com o primeiro doutor negro 'que abraça as suas emoções', disse o protagonista, Ncuti Gatwa, numa mesa redonda em que a Lusa participou.
“É certamente um reflexo do tipo de sociedade que temos agora”, afirmou o ator, referindo que os personagens mostram vulnerabilidade e que esta geração está mais equipada para falar sobre saúde mental e o que a afeta. “Esta é uma série que evolui com os tempos e faz sentido ter personagens que o refletem”.
No primeiro episódio, Gatwa estabelece um tom diferente dos doutores anteriores, com uma representação exuberante, um foco especial na moda – o ator enverga um kilt, por exemplo – e expressividade emocional.
“Ele abraça as suas emoções e crenças e isso dá-lhe poder”, caracterizou o ator. “Tem muita energia, não receia um pouco de 'flirt' e um pouco de atrevimento”.
O novo doutor chega hoje às televisões de todo o mundo através da plataforma Disney+, em parceria com a BBC, e tem a atriz Millie Gibson como coprotagonista, interpretando a companheira de viagem Ruby Sunday.
“A personagem tem uma mãe de acolhimento e isso tocou muitas famílias”, disse a atriz na mesa redonda. “Essa é a beleza do processo, a familiaridade. Não é uma coisa que se veja muito na televisão”.
O sistema de família de acolhimento, que difere da adoção, é mesmo um dos temas fortes do regresso, confirmou o 'showrunner' Russell T Davies numa entrevista separada.
“Muita gente tem agradecido pela inclusão, especialmente porque as pessoas confundem acolhimento com adoção”, relatou Davies, que encabeçou o regresso de “Doctor Who” em 2005 e agora volta a liderar a série.
“É possível acolher uma criança só por dois dias ou até uma noite”, continuou. “Quando abordamos estas coisas, elas ressoam. E as pessoas ficaram encantadas por se verem representadas”.
Sublinhando que não se trata de um ‘reboot’, Davies explicou porque é que ao 15.º 'doctor Who' foi reiniciada a contagem: esta volta a ser a primeira temporada.
“Isso é algo que a série fez antes. Fizemo-lo em 2005”, indicou, em resposta à Lusa. “Nunca tínhamos estado numa plataforma tão grande quanto a Disney+”, frisou. Isso significa uma audiência muito mais alargada logo de início.
“A série já esteve em centenas de territórios, incluindo Portugal, mas nunca simultaneamente como agora, nunca traduzida e transmitida para todo o lado no mesmo dia”. "Quem quer começar a ver a partir da 14.ª temporada?", questionou. “É um novo doutor. Não é um ‘reboot’, reiterou”.
Além da família de acolhimento, Davies também quis incluir comentário social numa série que é sobretudo ficção científica e viagens no tempo. Isso acontece, por exemplo, no episódio “Space Babies”, onde há uma referência ao dilema do aborto.
“Não é uma mensagem nem uma metáfora, é um comentário ao estado do mundo”, indicou “É um movimento político que também está a influenciar a Grã-Bretanha e eu não consigo não comentar”.
Davies frisou que o comentário não se sobrepõe à história, que é sobre outra coisa, mas que quando vê espaço para o introduzir aproveita. “E tenho de dizer que nunca me impedem”, afirmou.
Com surpresas e convidados ainda por revelar e um forte pendor sobrenatural, um dos episódios regressa no tempo até 1963, não só o ano em que “Doctor Who” se estreou, mas também o momento em que os Beatles gravaram o primeiro álbum. Esse mergulho em décadas passadas foi a aventura preferida de Millie Gibson, de apenas 19 anos.
“É hilariante ver a reação da nossa geração a isso”, afirmou a atriz, que destacou a natureza “única” deste papel por ser predominantemente uma série com duas personagens, que estão sempre em cena.
“O desafio era estarmos lá diariamente”, indicou, durante muitas horas. “Mas foram desafios difíceis que nos fizeram crescer”, ressalvou, destacando que ambos os atores se divertiram muito e riram do início ao fim das filmagens.
“Foi uma tremenda honra. Sabíamos que estávamos a entrar numa tradição, a tornar-nos parte do cânone”, disse Ncuti Gatwa. “E isso é assustador. Se reconhecermos a verdadeira pressão disso, ficamos loucos. Por isso temos de continuar a rir”.
Nascido no Ruanda e criado na Escócia, Ncuti Gatwa faz história como 15.º doutor, sendo o primeiro ator negro e abertamente gay a interpretar o personagem.
A temporada tem oito episódios com realização de Julie Anne Robinson, Ben Chessell, Dylan Holmes Williams e Jamie Donoughue.
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