“Esta ideia surgiu, na realidade, através do nosso antigo professor Paulo Gaio Lima (1961-2021), que foi um grande pedagogo, e era uma ideia que ele tinha de também usar Zeca Afonso, com os alunos, para aprender o instrumento, pois, para ele, Zeca Afonso e todo o tipo de música têm muito a dizer e a ensinar a nível expressivo, o que é que é a música, o que é que é ser musical”, disse à Lusa Pedro do Carmo.
O músico realçou que para Gaio Lima, “Zeca Afonso tinha muitas mais valias no ensino da música” e a música popular devia “ser igualmente ensinada como é Bach ou Schubert, no ensino da música erudita ou de um instrumento como o violoncelo”.
Paulo Gaio Lima considerava que “a música do Zeca era subexplorada”, por estar conotado com o ativismo político.
“Na perspetiva do Paulo e o que ele nos dizia, era que o Zeca faz mais do que isso, era um experimental, era uma pessoa que experimentava imenso que descobriu imensas formas de expressão que ia buscar, ia beber a imensos sítios diferentes, e era um génio musical”, enfatizou o violoncelista.
Pedro do Carmo concorda com o seu professor Gaio Lima, considerando também que “o génio criativo de Zeca Afonso é muito subexplorado”, face ao seu ativismo político, “que não deixa de ser muito importante”.
O violoncelista afirmou que sentiram a necessidade de olhar José Afonso “pelos olhos da sua música, e respeitar essa expressividade”.
“Decidimos fazer isso para dois violoncelos, que é o nosso instrumento, o que sabemos melhor dominar, e tentámos, nos nossos arranjos, preservar essa expressividade do Zeca Afonso, em vez de adaptar o material [musical] ao instrumento, que é o que muitas pessoas fazem, e nós não quisemos fazer isso, quisemos ir à procura de um certo ruído ou de uma certa gestão do tempo que o Zeca Afonso usa, através do instrumento”, afirmou.
“Sermos nós a ajustarmo-nos às preciosidades do Zeca Afonso e não ao contrário”, enfatizou o músico.
“Era um Redondo Vocábulo”, “O Avô Cavernoso”, “Canção Vai e Vem” ou “Agora”, são alguns dos temas do repertório de José Afonso que adaptaram a dois violoncelos, assim como “Venham Mais Cinco”, que é interpretado a três violoncelos, com o qual fecham habitualmente os concertos, contando com a participação de Eva Aguilar.
Na quinta-feira, às 22h30, atuam em Odemira, e a 2 de setembro, pelas 17h30, na Biblioteca Nacional, em Lisboa. No dia seguinte, às 21h30, tocam na sala José Afonso da Casa da Cultura, em Setúbal.
Sobre o projeto, que inclui a edição próxima de um livro com as partituras dos temas e textos sobre José Afonso, o violoncelista disse: “Nós os três fomos estudando Zeca, ouvir, tentando reproduzir as pequenas nuances da sua voz, a pequena instrumentação, a dialógica, a guitarra, a guitarra/voz, tentámos reproduzir tudo isso de uma forma muito orgânica e fomos descobrindo também o Zeca musical, o que é que ele tenta explorar e o que não explora”.
Os músicos pretendem gravar um álbum do projeto no próximo ano ou em 2026. A ideia de editar um livro com as partituras vai ao encontro da ideia de Paulo Gaio Lima, no sentido de “disseminar” junto dos estudantes a música do “genial Zeca Afonso”, “na prática e no ensino do instrumento”.
O projeto, com uma vertente académica, é posto em prática no âmbito do cinquentenário do 25 de Abril, tendo recebido um apoio de 10.000 euros da Direção-Geral das Artes, no âmbito da linha de financiamento “Arte pela Democracia”.
“Nós não menosprezamos a componente política desta música, vai de mãos dadas, mas perceber todo o contexto histórico e social de cada canção tem uma influência na forma como vou interpretar”, realçou à Lusa.
Conhecer o contexto em que José Afonso criou uma canção “enriquece” a forma como se interpreta, defendeu o violoncelista, que criticou o facto de a música popular portuguesa não ser tida em conta no ensino da música erudita e do instrumento.
Pedro do Carmo e Lluïsa Paredes encontraram-se nos Países Baixos, no decorrer de uma residência artística. Paulo Gaio Lima foi professor de Pedro do Carmo na Escola Superior de Música de Lisboa, e da catalã Lluïsa Paredes na Academia Nacional Superior de Orquestra, da Metropolitana, também na capital.
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