A caminhar aos 70 anos de carreira condensados em mais de 50 filmes, o realizador e argumentista nova-iorquino  Woody Allen viu ser negada a presença nos cinemas americanos de "Um Dia de Chuva em Nova Iorque", bem como a entrada na seleção dos grandes festivais mundiais, como o de Cannes.

As razões centram-se pelo ressurgimento, pós #MeToo, das acusações com mais de 25 anos por parte de Dylan Farrow, filha da atriz Mia Farrow, relacionadas com um alegado abuso sexual em que nada foi provado em tribunal e através de investigações forenses.

Não cabe a nós decidir se Allen é culpado ou inocente ou comentar as diferentes posições de atores que se pronunciaram sobre o caso, nomeadamente alguns desta última obra, que doaram os seus salários a instituições solidárias como forma de protesto.

O que realmente vemos em "Um Dia de Chuva em Nova Iorque" não é mais do que um episódio da criatividade do cineasta, principalmente na sua escrita. Um revisitar aos seus lugares-comuns e maneirismos que tão funcionam como cunho autoral (que, tal como os últimos dois filmes, o diretor de fotografia Vittorio Storaro realça com a sua estética viva).

Nesta Nova Iorque que se banha pela chuva intensa acompanhamos um dia na vida de Gatsby Wells (o nome é sugestivo, nós bem sabemos), jovem prodígio que regressa à sua terra natal (a Grande Maçã) com a sua namorada de universidade. É com Timothée Chalamaet (a mimetizar as neuroses, tiques e manias de Woody Allen) e Ellen Fanning (sob estado de graça) que a narrativa parte e reparte, onde as aventuras mirabolantes, as coincidências trapalhonas e sobretudo a fidelidade para o escapismo dito "hollywoodesco" convertem não só uma intriga dinâmica e sempre pontuada por deliciosas farpas, como também emprestam-se a um saudosismo da fórmula.

É estranho, mas acima de tudo curioso, a transformação de um filme simples na carreira de Woody Allen numa espécie de declaração sobre a sua contemporaneidade. Num tom trocista, "Um Dia de Chuva em Nova Iorque" aborda a tempestade que rodeia o cineasta, cometendo o arrojo de seguir em frente nas suas gags e diálogos subliminares (mas não tão discretos assim).

Fora isso é o sujeito hipocondríaco do costume, novamente refazendo clássicos nas cadências "woodylescas", numa apropriação intelectual seguido com uma cordial vénia de respeito. “Um Dia de Chuva em Nova Iorque” é novamente a citação a Billy Wilder (mais “Beija-me, Idiota” do que qualquer outra coisa), a referência ao grande clássico (“Noite e Dia”) e por fim, a vampiresca tomada do seu legado (será que são saudades de “Poderosa Afrodite”?).

Como uma nuvem passageira, Woody Allen faz uma visita breve ao seu cinema que não deixará grande marca mas evidencia uma familiar e espontânea graciosidade.

"Um Dia de Chuva em Nova Iorque": nos cinemas a 24 de outubro.

Crítica: Hugo Gomes

Trailer:

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