A HISTÓRIA: Cinco jovens (“os inúteis” do título) permanecem num limbo pós-adolescente, sonhando com aventuras e o dia em que deixam para trás a pequena cidade costeira onde arrastam a existência. Como quem tenta encontrar um sentido na vida provinciana, preenchem o vazio dos dias com namoricos e farras, às custas das suas famílias indulgentes. Um dia, um deles decide largar tudo e apanha o comboio para Roma...

"Os Inúteis". Reposição nos cinemas a 3 de setembro.


Crítica: Hugo Gomes

Nunca o Carnaval trouxe tais sentimentos! Alberto (o sempre grande Alberto Sordi) revira os seus olhos por entre os adereços e ornamentos daquela festa carnavalesca, aliás, fim de festa, onde só os resistentes parecem persistir nas últimas e arrastadas melodias.

O seu olhar é de uma tristeza inconsolada, o de perceber que aquele evento cujas alegrias e aventuras lhe suscitou durante anos vai, ao seu tempo, desintegrar-se e transformar-se numa memória. Quem sabe – nostalgia - o pretendido “amarcord” (“lembra-te”).

Com “Os Inúteis”, a terceira longa-metragem de Federico Fellini, tornam-se mais evidentes os valores que acompanharam a sua jornada enquanto cineasta feito e emancipado com um estilo próprio e que seria imitado no futuro até à exaustão.

O filme, que resgata do seu anterior “O Sheik Branco” (em 1952, com contributo de Michelangelo Antonioni no argumento), os atores Alberto Sordi e Leopoldo Trieste, é uma história de cinco amigos desamparados movidos pelas travessuras e sonhos traídos, imaginando as respetivas fugas daquele vilarejo que os viu nascer. Cinco estados de alma, que não são mais do que fragmentações da experiência de Fellini, enquanto este tenta transformar a região de Lazio numa espécie de Rimini improvisada, a sua terra-natal.

Digamos que “os Inúteis” não é nem um filme autobiográfico nem uma ficção romanesca que caminha lentamente para fora dos parâmetros do neorrealismo, mas um poço de memórias diluído na matéria produtiva do cinema e cuja hibridez resulta num prolongado estudo de personagens. Estas deambulam em “miseráveis” existências, aprisionadas a um destino prescrito e esquecível, enquanto Fellini sonhava alto e não pretendia, de maneira alguma, ser como aquelas personagens, nem sequer invejar os seus rasgos de juventude inconsciente.

É através destas figuras, onde concentra o seu objetivo de vida, que Fellini se iria reafirmar, evadir e, por fim, conquistar o seu espaço e chamá-lo de seu. Rimini, território de infâncias, de primaveras várias, paixões e personas caricaturais que inspirariam o seu leque de bonecos “fellinianos”, foi uma estação de comboio do qual partiu com promessas de descobertas. O realizador concretizou o seu desejo, enquanto que este quinteto de cordas, os seus “inúteis”, que ansiavam pelo mesmo, ficaram paralisados pelo medo da memória e aprisionados à sua própria Terra do Nunca...