"O Traidor" é um olhar imersivo sobre a hierarquia de poder na máfia italiana e a decisão de um homem de expor e trair tudo o que mais acreditava.

Baseando-se em factos reais, replicando os eventos da Segunda Guerra da Máfia, o realizador Marco Bellochio explana vinte anos de história da vida de Tommaso Buscetta, o homem que deitou abaixo a pirâmide da Cosa Nostra. Interpretado com magnetismo e carisma por Pierfrancesco Favino, Buscetta foi o primeiro arrependido a quebrar o código de silêncio da organização criminosa.

Farto da guerra entre a família siciliana e a facção Corleonesi, que lutavam pelo território e tráfico de heroína, este antigo "capo" decidiu abandonar Palermo e refugiar-se no Brasil. Desolado e desapontado com a quebra de valores da sua “famiglia”, depois de tentativas de suicídio falhadas e tortura perpetrada à sua esposa, foi preso e extraditado para Itália. Após este regresso, decidiu que iria trair o juramento de lealdade, contando toda a sua versão da história ao juiz Giovanni Falcone (Fausto Russo Alesi).

Com 80 anos de idade, Marco Bellochio coloca em "O Traidor" uma visão poderosa, sintética, sem artifícios, enleando o drama biográfico com o filme de gangsters.

Enquanto identifica os inimigos de Buscetta com cenas de horror da violência crua da máfia e da polícia, intervala cenas da vida familiar com uma aura inexpressiva. Numa cena espectacular, Buscetta, desesperado, olha a sua esposa pendurada no exterior de um helicóptero, prestes a ser largada sobre o oceano.

Bellochio absorve a história real e introduz tensão como um mestre, justificando as razões para Buscetta encetar a sua relação com o juiz Falcone. Para depois virar o registo e debitar uma farsa soberba do sistema judicial italiano.

O realizador coloca-nos no meio da audiência do tribunal onde decorreu o Maxiprocesso e se julgaram 475 mafiosos, aproveitando ao máximo o espaço carnavalesco, onde um bunker foi instalado de propósito, estabelecendo uma conexão entre os mafiosos e leões e hienas. E deixa-os falar, explorando a desordem e o caos, a manipulação e a conduta destes homens que ignoram todas as ordens dos juízes e vêem em Buscetta um traidor.

Numa cena soberba, o filme também retrata um dos momentos mais chocantes da história de Itália dos últimos 30 anos, o atentado que vitimou o juiz Giovanni Falcone: o seu carro foi bombardeado e o veterano realizador italiano, com o seu diretor de fotografia Vladan Radovic, optam por manter a câmara no interior do veículo enquanto este tomba pelo ar.

O gáudio dos mafiosos que celebram enquanto assistem à notícia pela televisão (com recurso a imagens da época), resume a sua ostentação e opulência de se sentirem os verdadeiros reis da selva. O efeito é completado pela música lírica de Nicola Piovani.

Nomeado para a Palma de Ouro em Cannes, "O Traidor" é documental, tornando-se por vezes algo frio e distante. Mas quando se foca nos homens e na sua tormenta, é um drama poderoso, arrojado e confiante.

"O Traidor": nos cinemas a 24 de outubro.

Crítica: Daniel Antero

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