A missão do acordo de co-produção entre a DreamWorks Animation e o Pearl Studio é a de realizar filmes familiares que ressoem na cultura chinesa.

"Abominável" é perfeito nesse propósito: um "road movie" com lugar na China moderna, que transporta o público numa viagem épica desde Xangai aos Himalaias, lado a lado com uma personagem desenhada para encher as prateleiras das lojas de brinquedos.

O nosso Abominável é um Yeti apelidado de Evereste, de olhos grandes, pêlo fofo e boca enorme, que escapou de uma instalação onde se encontrava cativo pelo explorador Burnish (José Pedro Gomes na versão portuguesa, Eddie Izzard na versão original) e a sua assistente de zoologia (Vera Kolodzig/Sarah Paulson).

Durante a fuga, acaba por se esconder no terraço de Yi (Laura Dutra/Chloe Bennet), uma jovem espevitada que, com ajuda dos seus amigos, Jin (André Raimundo/Tenzing Norgay Trainor) e Peng (Lourenço Serrão/Albert Tsai), irá levar Everest numa viagem inesquecível para se reencontrar com a família.

A par do pequeno monstro, Yi também se encontra num lugar delicado da sua vida. O pai faleceu, a promessa de uma viagem pela China ficou por cumprir e a paixão por tocar violino vai-se desvanecendo. Tem uma personalidade forte e uma visão do seu próprio caminho... mas não está preparada para enfrentar a própria dor.

Com "Abominável", a argumentista e co-realizadora Jill Culton pretende explorar temas de amor profundo e perda. Recorrendo a elementos do xamanismo, colocando a figura do yeti como um ser ancestral que comunica e enriquece a natureza com a sua magia, explora uma ideia de inteligência primitiva, poderosa, onde a criatura consegue entender as emoções particulares de Yi. Comunicando pelo meio de música, vão-se encontrar num nível místico, de onde sairão mais fortes.

Visualmente, foram várias as apostas da equipa da Dreamworks e do Pearl Studio: a representação da metrópole chinesa, preenchendo-a de elementos fidedignos à realidade, desde as bancas de comida às canas de bambu usadas para as construções fabris; o jogo de luz e sombra de forma a camuflar e destacar o monstro felpudo, justificando o secretismo e as dúvidas na sua existência; as sequências mágicas onde se revelam nuvens em forma de peixes carpa koi, ondas gigantes feitas de pétalas de canola e um voo de dente-de-leão gigante; as montanhas e os rios meticulosamente recriados. Tudo com um detalhe assumido, animado para envolver e cativar os pré-adolescentes asiáticos do seu próprio universo. Só falta mesmo que o desconto do passe de comboio apareça nos créditos finais.

Destaque ainda para a música de Rupert Gregson-Williams, que compôs uma melodia emocionante para o diálogo entre a melancolia da violinista Yi e o barítono ronronado de Evereste. E um dos momentos altos de "Abominável" surge quando é "atropelado" inesperadamente pelo cliché da lágrima fácil da canção de uma das mais famosas bandas do mundo.

Com uma personalidade replicada de outros projectos da Dreamworks, nomeadamente “Como Treinares o Teu Dragão"How To Train Your Dragon”, este "Abominável" é tempo bem passado e divertido, com imagens graciosas e pronto a enternecer a família numa tarde chuvosa. Não passa disso e a sua visão corporativa, segura e competente, impede-o de ser algo mais...

"Abominável": nos cinemas a 17 de outubro.

Crítica: Daniel Antero

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