A HISTÓRIA: Haiti, 1962. Um homem regressa dos mortos para trabalhar no mundo impiedoso das plantações de cana de açúcar. Cinquenta e cinco anos depois, uma jovem rapariga de ascendência haitiana confidencia aos seus colegas um segredo de família, inconsciente das graves consequências deste ato.


Com ecos de "Zombie" (Jacques Torneur, 1943) e reminiscências de Pedro Costa e o seu "Casa de Lava" (1994), o realizador francês Bertrand Bonello aplica a sua estética enigmática ao comentário político, explorando o legado colonial e a metáfora da criatura zombie. Neste caso, entre o Haiti e França, recorrendo à história de Clairvius Narcisse (Mackenson Bijou), um homem alvo de zombificação, processo onde, depois de drogado, foi enterrado vivo, posteriormente exumado e enquanto o seu estado amnésico prevaleceu, explorado como escravo nas colheitas.

Em paralelo com esta narrativa de 1962, apresenta-nos também as vivências da sua neta Mélissa (Wislanda Louimat), a única estudante negra de um liceu de elite, fundado por Napoleão. Isolada, em busca de identidade, une-se a um grupo de raparigas onde se encontra Fanny (Louise Labeque), uma idílica apaixonada, repleta de fantasias e problemas amorosos.

Com esta justaposição, viajamos entre o passado e o presente, num registo ominoso onde a calamidade flutua, reconectando a colonização francesa e a condição escrava do zombie Clairvius, bem como o assombramento que passa de geração em geração até Mélissa.

Poema de horror, "A Criança Zombie" funciona no abstrato, mas é visceral nas pontuações mais reais e sangrentas. Filmado no crepúsculo, onde Clairvius deambula, e na luz mais alta, onde as raparigas se fixam na quietude, em aborrecimento, cada cena tem aura de ameaça, onde todos os movimentos têm uma toada ritualística e sonâmbula, acompanhadas de uma banda sonora que nos faz lembrar John Carpenter.

O registo "giallo" também nos assalta, com sons guturais no meio da bruma, ajudando a justificar o encantamento de Fanny, perdida de amores e desesperada pela ajuda de forças sobrenaturais.

Bertrand Bonello acabará por cruzar os dois tempos, quando Fanny visita a tia de Mélissa, Katy (Katiana Milfort), uma mambo, sacerdotisa da religião voodoo do Haiti. Com esta sequência, reforça-se de novo o entendimento estereotipado da raça branca para com o voodoo, que não reconhece que não se trata de magia negra, mas de comunhão espiritual entre gerações. Pelo contrário, respeitando a cultura do Haiti, parte-se para cerimónias exóticas, em busca da liberdade dos nossos protagonistas. E explicando o fado de Clairvius através da voz da neta Mélissa, desenterra as memórias coloniais que muitos gostariam de manter mortas...

"A Criança Zombie": nos cinemas a 2 de janeiro.

Crítica: Daniel Antero

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