Chama-se
«48» para lembrar os anos que durou a ditadura e lá dentro cabem 16 histórias de presos e presas, torturados e torturadas pela polícia política do Estado Novo – a PIDE.
Em entrevista à agência Lusa, em sua casa, a realizadora explicou que neste filme quis «contar uma história da ditadura através de um conjunto de fotografias de cadastro e do testemunho das pessoas que foram fotografadas».
São imagens pequenas, tipo passe, fotografias que estão na Torre do Tombo, «às centenas». A história é contada pela voz de quem está naquela fotografia, mas nunca o/a vemos como é hoje. Na imagem, ficam sempre só as fotografias. Mas algo parece mover-se.
Susana de Sousa Dias explica este «processo muito complexo» de «micromovimentos com a câmara», que fazem com que as imagens pareçam fixas, mas na realidade haja «um movimento ténue». E acredita: «É isso que permite com que o espectador não descole da imagem».
«Aparentemente, o filme tem uma forma muito simples e utiliza recursos muito básicos, mas todo o caminho para chegar lá foi extremamente complexo e o filme é muito trabalhado», sublinhou, falando no «risco imenso» de fazer um filme deste género.
«48» procura a junção da imagem com a palavra, resume. Daí que, quando começou a montagem, a realizadora tenha percebido que «todo o filme cairia por terra» se só tivesse planos fixos.
«Pedi ao operador de câmara para fazer vários movimentos muito subtis sobre as imagens», conta. Depois, na mesa de montagem, tornou «o tempo mais lento», usando o slow motion. O filme tem 93 minutos de duração, mas se as imagens corressem à velocidade com que foram filmadas «teria apenas sete minutos», exemplifica.
Susana de Sousa Dias tem três projectos entre mãos e todos regressam ao Estado Novo.
Um deles é a história de três irmãs presas durante a ditadura, através da qual a realizadora quer contar «um mundo feminino que já desapareceu completamente» – «a história de outras mulheres a que a memória destas mulheres nos dá acesso».
Outro é sobre a memória do Estado Novo hoje, ou seja, sobre a forma como se vivem e pensam hoje esses tempos – ideia que surgiu após a eleição de Salazar no concurso Grandes Portugueses e do lançamento por um jornal de «uma colecção de livros sobre o Estado Novo, que inundou a cidade de Lisboa com mupis de Salazar, tipo Andy Warhol». E por último um filme que parte das fotografias de um núcleo familiar na clandestinidade.
Para todos estes,
Susana de Sousa Dias não obteve financiamento do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual). Aliás, disse à Lusa, «aconteceu uma coisa curiosa»: o seu currículo foi agora pior avaliado do que antes de fazer
«48», já premiado por várias vezes, nomeadamente com o Grande Prémio do Cinema du Réel, conceituado festival de cinema documental, em França.
«Vou continuar a tentar», garante, falando na possibilidade de «tentar obter financiamento lá fora». O seu filme anterior,
«Natureza Morta», não teve um único «apoio financeiro em Portugal, foi pago quase integralmente pela França», exemplifica.
Há onze anos, a cineasta entrou nos arquivos da ditadura e encontrou «o momento fundador» do seu trabalho e «estes filmes passaram a ser projectos pessoais».
«São 48 anos de ditadura, há uma imensidão de coisas para contar. É um trabalho inesgotável, é uma espécie de poço de fundo», justifica. «Por cada filme que faço tenho uma série de ideias para vários filmes», refere. Segue-se um fio condutor e dentro deste há sempre outros fios. «Destapa-se uma coisa e estão lá milhares delas por baixo. É um caminho em profundidade e em extensão», partilha.
Filmar a ditadura ainda é algo entre «dois movimentos contraditórios» – «um que tenta apagar, outro que tenta ir buscar e trazer para a actualidade», considera. Sendo verdade que existem «cada vez mais filmes», a realizadora não deixa de dizer que «é preciso trabalhar muito mais» sobre aquela época.
«48» chega às salas de cinema na quinta-feira, mas tem antestreia já na quarta, no Centro Cultural da Malaposta, em Odivelas, numa sessão que contará com a presença da realizadora.
@Lusa
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