“Este filme passa-se durante a crise [2011, 2012] e eu vivi de perto a forma como essa crise afetou a minha geração. Acho que foi de uma violência enorme e quase parece que, depois com uma pandemia em cima, uma guerra e uma crise inflacionária, esta ficou para trás como só mais uma coisa. Mas eu acho que foi a crise de uma geração”, afirmou Simão Cayatte.
“Vadio”, produzido pela Ukbar Filmes, cruza os caminhos de duas personagens: André, adolescente que fica à mercê dele mesmo depois de abandonado pelo pai, e Sandra, professora e mãe solteira, que perde o emprego e a guarda da filha.
Ainda na fase de escrita do argumento, Simão Cayatte, de 39 anos, focava-se na personagem Sandra (a atriz Joana Santos), inspirada em vivências de pessoas que conhecia. Em paralelo andava a trabalhar numa outra história com aquela outra personagem, o André (o estreante Rúben Simões).
“Foi quando decidi juntar as duas personagens é que percebi que essa heterogeneidade era boa para a história e que eles se revelavam de uma forma mais impactante. São um pouco a boia de salvação um do outro”, contou.
Simão Cayatte situou a ação no Alentejo e nos anos de governação de Pedro Passos Coelho (2011-2015), numa breve referência no filme a um discurso, transmitido num canal televisivo, em que este sugeria aos professores que emigrassem.
“Em 2012, eu tinha acabado de regressar de Nova Iorque, onde fiz mestrado em realização e onde já estava a escrever histórias em português. E quando volto foram anos difíceis. Não havia trabalho, as pessoas estavam desanimadas e o país estava a passar por essa crise”, lembrou.
O realizador admite que “Vadio” é “um filme duro”.
“Acho que todos conhecemos pessoas que fecharam os seus negócios, que desistiram dos seus sonhos, foram para fora, pessoas cuja saúde mental foi muito afetada e há uma geração [sobre a qual] eu acho que só daqui a uns anos é que vamos perceber bem o que é que aconteceu. No cinema [aquele tempo da crise] tem sido um tópico muito abordado, mas acho que é uma ferida ainda aberta”, considerou.
O realizador quis filmar no Alentejo, por ter lá passado a infância, tendo ficado na memória uma imagem de desertificação e dureza.
“Essa beleza e violência da luz, um povo por quem tenho muito afeto e queria falar sobre o abandono ali, o abandono das pessoas, mas também do abandono de uma região, de um país que, na altura, foi bastante abandonado pelos seus parceiros”, explicou.
“Vadio” foi rodado em 2019 e montado durante a pandemia, tendo estado em espera para a estreia nas salas de cinema: “Filmei uma série [‘Vanda’, para a OPTO] que me ocupou um ano inteiro, estávamos ocupados com outras coisas, e esperámos pela altura certa”, justificou.
“Vadio” é a primeira longa-metragem de um realizador que é também argumentista e ator.
A estreia à frente das câmaras aconteceu aos 8 anos pela mão do tio, o realizador e assistente de realização João Cayatte, no filme “Terra Fria” (1992), de António Campos, no qual dizia apenas uma frase.
Trabalhou depois com Werner Schroeter, Carlos Saboga, Stan Douglas, Ivo M. Ferreira ou Cristèle Alves Meira, mas é a realização que escolhe.
"Gosto muito de dirigir atores, sou ator também, daí entender se calhar as dores dos atores, mas não ponho acima do resto", afirmou Simão Cayatte.
Apesar de ter assinado várias curtas-metragens, Simão Cayatte situa a sua estreia como realizador em 2011 com a curta-metragem “A Viagem”, selecionada para o programa Cinéfondation do Festival de Cinema de Cannes.
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