Produtoras de cinema e audiovisual ainda com verbas e contratos em atraso do incentivo ‘cash rebate’
A segunda fase de candidatura ao incentivo 'cash rebate' do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema (FATC) terminou esta semana, mas mantêm-se os atrasos no pagamento de verbas da primeira fase e das candidaturas de 2023.
A informação foi dada à agência Lusa por vários produtores de cinema e audiovisual, que não só se candidataram aos incentivos de 2023 e ainda não receberam todas as tranches de pagamento, como também concorreram, em abril, à primeira fase do FATC deste ano e ainda não assinaram contratos para aceder às verbas.
Com uma dotação anual de 14 milhões de euros, o FATC tem um mecanismo de incentivo designado “cash rebate”, de apoio à produção de cinema e audiovisual, cuja atribuição é dividida por duas fases, em abril e em setembro, tendo o prazo de candidatura da segunda fase terminado esta semana.
A 8 de outubro passado, numa carta aberta, três associações de produtores de cinema e televisão alertavam para problemas de execução do FATC e atrasos na aplicação do ‘cash rebate’.
Contactados esta semana pela agência Lusa, vários produtores revelaram que, na semana em que foi divulgada aquela carta aberta, o Governo desbloqueou cerca de 3,2 milhões de euros para responder a alguns pagamentos em atraso referentes 2023.
No entanto, há ainda milhares de euros de tranches por receber e as produtoras beneficiárias de 2024 ainda não assinaram contrato com as entidades que gerem o FATC e que lhes permite aceder ao dinheiro.
“Houve um grande esforço por parte do Governo de desbloquear uma verba para tentar colmatar as quantias em atraso, mas não chega. É preciso um esforço superior para desbloquear as verbas seguintes, para que o fundo consiga estar dentro dos prazos de pagamentos estipulados na lei”, disse a produtora Pandora da Cunha Telles, da Ukbar Filmes.
Este mecanismo ‘cash rebate’ aplica-se a projetos de cinema e televisão portugueses, ou com coprodução internacional, que incluam despesas mínimas em Portugal entre os 200 mil e os 500 mil euros, consoante o tipo de projeto.
São consideradas elegíveis todas as despesas de produção, aquisição de bens e serviços; e as produtoras admitidas recebem as verbas do 'cash rebate' de forma faseada, consoante o desenvolvimento dos projetos.
O produtor Frederico Serra, da Take it Easy, contou que recebeu uma tranche de 170 mil euros em atraso, mas tem ainda pagamentos faseados em falta, nomeadamente da série "Finisterra", cuja rodagem terminou no final de maio.
"Estas coisas atrasam muito o planeamento, não posso pagar às pessoas e entro numa escalada de dívidas e de contrair empréstimos, de juros, etc.", disse.
Entre as produções já beneficiadas por este regime 'cash rebate' estão, por exemplo, as séries “Rabo de Peixe”, “Matilha”, “Operação Maré Negra” e produções internacionais que tiveram rodagem em Portugal, como “A Acólita”, “Donzela” e “Velocidade Furiosa 10”.
Sobre os atrasos verificados, o produtor Rodrigo Areias, da Bando à Parte, lamentou a “falta de imposição da ministra da Cultura”, Dalila Rodrigues, e um empurrar de decisões entre ministérios e tutelas, uma vez que o FATC, criado em 2018, é uma iniciativa conjunta dos ministérios da Cultura e da Economia, e a sua execução compete ao Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e ao Instituto do Turismo de Portugal.
Acresce ainda o facto de o atual Governo ter decidido, em julho, delegar no secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, as competências do ICA “em matérias de incentivos à produção cinematográfica e audiovisual e captação de filmagens internacionais para Portugal, sem prejuízo das competências de outros membros do Governo”.
“As estruturas têm que aguentar e continuar a produzir, porque as coisas não podem parar. Entre a entidade que faz a cobrança, depois a do Turismo, toda a gente empurra de um lado para o outro. O nosso problema está na falta de força política desta ministra da Cultura, que se pudesse resolver o problema já tinha sido resolvido”, disse Rodrigo Areias.
O produtor Paulo Branco disse à agência Lusa que tem ainda por assinar contratos no valor de 1,2 milhões de euros de projetos candidatados ao FATC de 2023 e de 2024. “É [um valor] absolutamente astronómico para uma produtora independente”.
Um dos produtores contactados pela Lusa admitiu uma situação de “aflição” financeira caso as verbas não sejam desbloqueadas: “Não há perspetiva de pagamento e estamos a pagar juros todos os meses. Nós na verdade estamos com um empréstimo até ao próximo ano que nos permite sustentar, apesar de não receber as tranches, mas todos os meses estou a pagar juros bancários que já deviam ter baixado”.
A agência Lusa pediu esclarecimentos sobre estes atrasos ao gabinete do ministro dos Assuntos Parlamentares, nos dias 8 e 23 deste mês, e ao Ministério da Cultura, mas ainda não obteve resposta.
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