Em declarações à agência Lusa, o compositor Luís Soldado disse que esta é a primeira ópera composta para narrar um filme: “Uma ópera feita de raiz para um filme mudo, uma ‘ópera muda’, não há memória que alguma vez tenha sido feito, pelo menos segundo o conhecimento que temos”.
“Este nome de ‘ópera muda’ é uma ideia que vem de Londres”, onde foi estudante. Na capital britânica, “já fazia ópera e tive a oportunidade de fazer partituras para filmes mudos, e começou a surgir a ideia de fazer uma ‘silent opera’, que, na verdade soa um bocadinho melhor em inglês, que ‘ópera muda’, que pode ser menos claro, mas também é interrogativo e causa curiosidade”.
Esta proposta é exigente para compositor e libretista, na medida em que há um tempo certo para coincidir com o filme que está a decorrer simultaneamente.
A ópera tem 50 minutos de duração e o filme 40 minutos.
Para esta ópera, Luís Soldado fez algumas citações de outros compositores, nomeadamente Antonio Rossini e Claude Debussy, citando o poema-sinfónico “Prélude à l'après-midi d'un faune” deste compositor francês.
“Se isto fosse só uma ópera a música nunca não seria assim, como é um filme há muitos ‘leitmotiv’. Sempre que aparece uma personagem há um tema recorrente, a água é um elemento fundamental, porque a água está muito ligada ao desejo sexual, e aparece muitas vezes, muitas fontes, muitas cascatas, muito mar que rodeia a ilha, o mar tem, aliás, um tema próprio”, referiu.
“Se fosse uma ópera só, o libreto seria outro, o filme tem um tempo fixo, o que foi um desafio para o Rui Zink e para mim, pois tínhamos que escrever para aquele tempo específico, da duração da cena, daquela imagem”.
O filme escolhido foi “O Fauno das Montanhas” (1926), de Manuel Luís Vieira (1885-1952). Filmado na ilha da Madeira, é considerado um dos primeiros filmes fantásticos por ter efeitos especiais e a personagem do Fauno é metade homem metade animal.
“É também um documento quase etnográfico”, acrescentou o compositor, também investigador no Centro de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa.
Sobre o filme, com as participações dos atores George A. Gordon, Ermelinda Vieira, Arnaldo Coimbra e Maria da Nazaré Nunes da Silva Gouveia, entre outros, Luís Soldado afirmou que “aparentemente tem uma trama ingénua”.
O filme conta a história de dois britânicos, pai e filha, que vão visitar a ilha da Madeira, e a filha ao olhar para um pastor, que é o guia do seu percurso pelas montanhas da Madeira, vê nele um fauno semelhante a uma estátua que tem no seu jardim, explicou à Lusa o compositor.
Luís Soldado pediu a Rui Zink, com quem trabalha há vários anos em projetos operáticos, que escrevesse “um libreto que descodificasse esta mensagens subliminares e as tornasse mais claras”.
O libreto foi escrito para duas personagens, que representam o pai e a filha, que “começam por ser dois elementos do público, como duas pessoas que vão assistir à ópera e ao filme e, que de repente, se tornam personagens do filme e começam a relatá-lo”.
“Nós estamos a utilizar o passado para falar do presente, e vamos falar de várias coisas, destas relações pai e filho, e os desejos do início da juventude, mas vamos também falar das relações entre as classes [sociais]”, afirmou à Lusa Luís Soldado.
A ópera com a soprano Célia Teixeira e o barítono Ricardo Rebelo da Silva tem direção musical do maestro Rui Pinheiro, que dirigirá um trio composto por Teresa Araújo, no violoncelo, Romeu Santos, no contrabaixo, e Hélio Santos, na flauta, sendo a encenação de Linda Valadas.
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