A realizadora Catarina Mourão ganhou o prémio do público no IndieLisboa com um belo filme que recupera a trajetória do avô que não conheceu tendo o Portugal de Salazar como pano de fundo.
“A Toca do Lobo” alude a um título de um romance de Tomás Figueiredo, um prolífico escritor no período do Estado Novo que dá nome a algumas ruas portuguesas, mas cujos livros são desconhecidos. Já o filme segue uma investigação que vai revelando, como se fosse uma história de ficção, capítulos surpreendentes não apenas sobre o que concerne à sua família, mas de um Portugal de profundas repressões e interditos.
O ponto de partida do filme é muito pessoal, muito íntimo. Desde o início concebeu-o como algo que seria construído para um público mais vasto? Tinha a preocupação com a universalidade da 'história' que estava a construir?
Apesar de ser importante que os filmes tenham visibilidade e gostar de sentir que eles tocam as pessoas, não os concebo logo à partida a pensar se vão chegar a um público mais ou menos vasto. Acho que o segredo dos filmes e da forma como tocam as pessoas não está tanto no tema mas sim na forma e no olhar. Neste caso só teria interesse para mim abordar uma questão tão pessoal se ela fizesse eco de uma forma mais universal, e se fosse um pretexto para falar da família e dos afetos de uma forma mais ampla que transcendesse a minha família. Os microcosmos da viagem para o público de acordo com a sua profundidade. É uma viagem na vertical que se traduz depois na geografia. Quanto mais profundo o mergulho maiores serão as possibilidades de leitura e de identificação.
Na sua investigação sobre a memória também fica evidente o aspeto da passagem do tempo - a forma como algo acontecido no passado ganha um significado completamente diferente com o passar dos anos. É o caso da cena do avô na televisão e a coleção de saquetas de cachimbo…
Sim, essa é sem dúvida uma das dimensões que quis explorar no filme, a forma como passado, presente e futuro podem coexistir e como a memória é uma espécie de máquina do tempo que permite, em última análise, mexer no curso dos acontecimentos.
Optou por um registo isento de grandes artifícios visuais ou sonoros, privilegiando os depoimentos e uma forma quase 'narrativa', onde vai, de certa forma, contando uma história de mistérios e revelações…
De facto, a ideia era funcionar ao arrepio de certas convenções do cinema de ficção que trabalham os sonhos, as memórias e as elipses com muitos efeitos especiais. As conversas dos personagens comigo só aparecem a partir da segunda metade do filme e são usados num diálogo com os arquivos. Não quis de forma alguma que fossem puramente descritivos e ilustrativos: por vezes ajudam na narrativa, em outros momentos suspendem-na, trazendo novos detalhes que a desarrumam. No bom sentido, espero eu.
Neste ligação entre histórias pessoais e panorama social surge como pano de fundo um tempo sombrio, onde não só se vê uma ditadura só nos seus aspetos explícitos (a PIDE e a prisão), mas também no seu aspeto cultural - de uma sociedade extremamente reprimida em diversos sentidos.
Este contexto e ambiente estão lá e fazem parte da mundo do filme. Não são só uma explicação direta para os acontecimentos, segredos e tabus da minha família, mas não se podem separar da trama familiar.
Tem novos projetos?
Estou a trabalhar numa curta metragem de ficção e num argumento para uma longa.
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