“Green Room” estreia nas salas portuguesas esta quinta-feira, 26 de outubro, e o SAPO Mag conversou com o realizador Jeremy Saulnier sobre esta violenta (e divertida) história de cerco onde o título bem poderia referir-se à sala de espera do inferno…
O filme também ficou marcado por ser o último trabalho visto por Anton Yelchin antes do seu trágico e repentino desaparecimento em junho último.
Não é certo que a famosa lei de Murphy tenha fundamento, mas na vida da banda punk Ain’t Right se algo pode dar errado, isso certamente acontece. Não basta começaram o filme a ter de roubar gasolina para continuar uma malfadada “tour” pelos confins da América.
Após um concerto num antro 'skinhead' onde ousam berrar 'punks neonazis f*** off!' contra o público, os copos de cerveja a voarem e os insultos ruidosos serão o menor dos seus problemas: ao presenciarem um acontecimento fortuito nos bastidores, vão testemunhar as fortes probabilidades de experimentarem um banho de sangue.
Sem se importar com a estreia tardia no nosso país (mais de um ano depois de passar pelo Festival de Cannes e, meses depois, pela penúltima edição do Motelx), Saulnier foi simpático e elucidativo, discorrendo sobre as diferentes formas de violência e o sadismo de “Os Jogos da Fome”, o gosto dos festivais de arte pelos seus trabalhos (que inclui “Ruína Azul”, igualmente estreado em Cannes), a participação de Patrick Stewart como um terrífico vilão ('Nunca mais terei medo de trabalhar com uma estrela!') e as suas memórias numa banda 'punk' que estão na origem da ideia.
O cineasta também falou de Yelchin. 'Conforta-me saber que ele estava muito orgulhoso do filme'.
Concorda que a principal ligação entre “Ruína Azul”, um 'road movie' com uma história de vingança, e “Green Room”, um filme de cerco com as convenções do cinema de terror, é a violência?
De facto, ambos os filmes contêm violência – que termina por ser um dos seus tópicos centrais. Mas ela está presente em muitos filmes hoje em dia e se você for pela abordagem da 'contagem de corpos', então certamente os meus filmes têm um número relativamente baixo de carnificina. Em Hollywood, um filme de ação, ou mesmo estes franchises de 'sci-fi' designados como 'Young Adults' (YA) tem mais violência que “Green Room”.
Nos “Jogos da Fome”, por exemplo, um bando de jovens são forçados a matarem-se uns aos outros por desporto. Há um elemento sádico, uma espécie de luxúria sangrenta no conceito.
Raramente paramos um pouco para pensarmos neste tipo de violência. Ela aí está inserida num jogo – o que torna mais fácil de digerir o seu número de mortes. Nos meus filmes não faço jogos, o espectador pode ficar nauseado com o medo ou a ansiedade, não deixo a audiência safar-se facilmente! Claro que “Green Room” é pensado como um 'thriller' e seu propósito inicial é entreter. Mas tenho uma genuína reverência pelos meus personagens e quando alguém morre quero que os espectadores sintam o choque, o pavor, a brutalidade dos atos que são mostrados. E então, uso a morte – ou a ameaça dela – como ferramenta narrativa? Sim, mas para tornar a experiência insuportavelmente intensa num mundo onde eu afeto o sistema nervoso do público. Quando o seu coração bate depressa, quando você suspira alto com a multidão, esse é o meu pagamento. Não é a violência em si mas o risco percebido que os espectadores interiorizam e ao qual coletivamente 'sobrevivem' que torna tudo divertido.
Ambos os filmes estão próximos do cinema de género, mas têm importantes trajetórias no circuito de festivais de arte. Como vê essa ligação?
Como um cineasta independente que ainda está a construir uma carreira, os festivais são vitais para os meus filmes. Gosto de filmes de arte, mas nada me excita mais do que 'thrillers' ou filmes de terror. Então, tento 'ter o melhor de dois mundos', criando filmes que me permitam explorar o alto impacto do cinema de género enquanto também invisto fortemente em personagens bem-desenvolvidos e em arte visual que tenha apelo para os cinéfilos e os festivais. Os filmes de género trazem vendas, os festivais prestígio: não há melhor combinação para um cineasta principiante!
Também já mencionou que “Green Room” traz alguns elementos autobiográficos – referindo a época em que circulou como músico no circuito 'punk' de Whashington. Como foi essa experiência?
Era um 'skater' suburbano da Virginia durante a minha juventude e estava exposto a todo o tipo de música 'punk' e 'hardcore' dos miúdos mais velhos com quem andava. Estas duas culturas estavam unidas, ambas ofereciam uma forma de expressão 'física' de criatividade e eram muito atrativas para miúdos com muita energia para queimar e não gostavam de desporto. Nos anos 90, formei uma banda com alguns dos meus colegas do curso de cinema e, numa altura onde já estávamos velhos demais para termos carta de condução, começámos a circular à volta de Memorial Bridge, em Washington, a fazer concertos. Existia lá uma vibrante cena 'punk', foi o local de nascimento do 'hardcore'. Sentia-me atraído por aquela energia, por aquela estética e pela agressividade controlada. Mas, para todos os efeitos, não era um 'tough guy', era mais um observador, tudo o que estava a fazer eram filmes com os amigos. Olhando para trás, é inevitável que algum dia trouxesse algum elemento da cena 'punk' para um filme. Não apenas incorporei histórias dos meus amigos e as tours das suas bandas, como também usei na banda sonora canções que escreveram e tocaram há vinte anos!
Como foi a entrada de Patrick Stewart no projeto?
Ele entrou tardiamente, apenas duas semanas antes do início das filmagens. Para dizer a verdade, não estávamos a ter muita sorte com o 'casting' para esta personagem pois os meus investidores queriam uma grande estrela e eu preferia apenas um ator dedicado, que se incorporasse sem dificuldade ao restante elenco. Felizmente, Patrick Stewart preencheu ambas as necessidades. Ele estava à procura de uma aventura, de tentar algo diferente e mexer um pouco as coisas. Da minha parte, estava mesmo feliz por ter um profissional de topo que respondia às necessidades da personagem e estava inteiramente comprometido com o projeto. Por causa de sua bondade e generosidade, nunca mais terei medo de trabalhar com uma estrela!
O filme também tem uma nota triste posterior por causa da morte repentina de Anton Yelchin. Como reagiu a isto?
Tem sido muito duro. Foi uma perda trágica e tão repentina que ainda não parece real. Sinto a sua falta e penso nele todos os dias, ao mesmo tempo que estou grato pelo tempo que convivemos – dentro e fora do 'set'. Conforta-me saber que ele estava muito orgulhoso do filme e sempre vou lembrar a experiência de ter colaborado com ele.
O que poderemos esperar de seu próximo projeto? Terá novamente elementos de 'thriller' ou terror?
É difícil dizer. Comecei por fazer comédias, então quem sabe? Adoraria fazer um grande filme de ação, por exemplo. Estou a desenvolvenr vários projetos, mas estou a aprender a não 'atalhar caminho' para concretizá-los. Quando pego num projeto quero fazê-lo, não apenas falar sobre ele, tirar notas e pôr numa gaveta. Tem sido uma transição complicada, mas posso sempre voltar para os pequenas orçamentos do cinema 'indie', pois posso conseguir estes … com pouca ou nenhuma dificuldade. Para ser concreto, nunca abandonarei o terror: está no meu sangue!
Trailer.
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