O realizador Miguel Gonçalves Mendes está a preparar um documentário sobre o universo criativo de Regina Pessoa e Abi Feijó, duas referências do cinema de animação português, e sobre o projeto da Casa-Museu de Vilar, em Lousada.
“A Casa de Regina Pessoa e Abi Feijó” é um documentário de longo curso, que Miguel Gonçalves Mendes tem estado a fazer, acompanhando regularmente a atividade - e a vida - destes dois cineastas, e um desses momentos foi a passagem pelo Festival de Cinema de Animação de Annecy, em França.
Em declarações à agência Lusa, em Annecy, o realizador explicou que o filme não só se debruça sobre os dois realizadores como também entra nos espaços da Casa-Museu de Vilar, onde ambos vivem, trabalham e desenvolvem há vários anos um projeto de divulgação da história do cinema de animação.
“Fico ofendido com Portugal, porque mais uma vez nós temos um caso de uma mulher extraordinária e um homem extraordinário que pouca gente conhece. A Regina Pessoa teve uma projeção internacional que nenhum português teve aqui [em Annecy]”, disse.
No ano em que Portugal foi o país convidado, Regina Pessoa, de 54 anos, e Abi Feijó, de 67 anos, tiveram uma retrospetiva de filmes em Annecy e a realizadora assinou a imagem gráfica do festival, deu uma ‘masterclass’ para estudantes de animação e inaugurou uma exposição sobre o processo criativo das suas curtas-metragens.
A presença portuguesa no festival traduziu-se ainda numa programação com mais de 60 filmes de animação, uma delegação com cerca de 200 profissionais, apresentação de projetos de filmes e obras em competição, com "Percebes", de Alexandra Ramires e Laura Gonçalves a conquistar o prémio de melhor curta-metragem.
Miguel Gonçalves Mendes, de 45 anos, é autor de ficção e documentário e neste registo assinou “Autografia” (2004), sobre Mário Cesariny, “José & Pilar” (2011), sobre o escritor José Saramago e a mulher, Pilar del Río, e “O labirinto da saudade” (2018), sobre Eduardo Lourenço e um dos seus mais célebres ensaios.
“Todos os filmes foram desculpas para conhecer melhor estas personalidades”, disse o realizador, estendendo a mesma lógica a este novo projeto sobre Regina Pessoa e Abi Feijó.
Das filmagens já realizadas, Miguel Gonçalves Mendes registou Regina Pessoa a trabalhar no próximo filme, inspirado na mãe, mas também em momentos de partilha de rotinas e conversas com Abi Feijó ou a tratar da horta e do jardim da Casa-Museu.
Esta casa, uma herança de família de Abi Feijó, “é uma constelação de várias coisas; tem o passado familiar, tem o Abi e a Regina que o habitam, tem o trabalho agrícola e tem também o compositor Norman Roger e a realizadora Marcy Page, um casal com quem eles partilham o projeto cultural”, explicou Miguel Gonçalves Mendes.
Regina Pessoa tem uma grande ligação sentimental com o festival de Annecy, onde a informalidade permite um contacto mais próximo entre público e realizadores. Foi este festival que acolheu, ainda em projeto, um dos seus maiores sucessos autorais, “História trágica com final feliz”, com o qual venceria, em 2006, o prémio máximo de Annecy, o Cristal de Melhor Curta-Metragem.
Em 2019, Regina Pessoa voltaria a ser distinguida com o prémio do júri com “Tio Tomás, a contabilidade dos dias”.
“O festival abriu portas e pode mudar a vida de uma pessoa. A minha carreira ganhou mais importância internacional a partir daí”, desse primeiro prémio, disse a realizadora à agência Lusa, numa conversa no Museu do Filme de Animação, em Annecy.
Membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos – tal como Regina Pessoa -, Abi Feijó esteve na origem da Casa da Animação, das produtoras Filmógrafo e Ciclopes Filmes e em 2022 foi condecorado pelo Presidente da República por mais de 40 anos ligado ao cinema de animação, na produção, realização, programação, ensino e divulgação.
Na Casa-Museu de Vilar, Abi Feijó dedica-se às oficinas e às visitas sobre a história da animação, sobre os objetos precursores as imagens em movimento, e a assegurar a produção do trabalho de Regina Pessoa.
Sobre o próximo filme, cujo processo Miguel Gonçalves Mendes tem estado a acompanhar, Regina Pessoa admitiu à Lusa que é “ainda mais ambicioso a nível emocional”, por ser sobre a mãe, que sofreu de esquizofrenia, mas recusa voltar ao ritmo de 16 horas diárias de trabalho, por razões de saúde.
“Quero fazer o filme, mas acho que já atingi uma idade que quero atingir o equilíbrio com a vida pessoal. Como fazer um filme sem abusar da minha pessoa. A animação é uma loucura, é preciso uma entrega enorme”, exclamou.
Tal como em “Autografia” e “José & Pilar”, Miguel Gonçalves Mendes diz que “A Casa de Regina Pessoa e Abi Feijó” “volta a assumir o tom intimista, criando um diálogo entre os retratados e as suas várias dimensões de vida”.
“Pretendo sublinhar a enorme importância que ambos os cineastas têm no mundo da animação e a inestimável contribuição que ambos fazem para a afirmação desta arte em Portugal”, escreveu Miguel Gonçalves Mendes num texto de apresentação ao projeto.
O documentário de Miguel Gonçalves Mendes, produzido pela Jumpcut, teve apoio ao desenvolvimento por parte do Instituto do Cinema e Audiovisual.
Comentários