O realizador José Nascimento estreia em março nos cinemas o filme “Casa Flutuante”, uma ficção passada no Alentejo, que convoca Júlio Verne e a luta contra a desflorestação da Amazónia.
Em entrevista à agência Lusa, José Nascimento une os pontos aparentemente distantes desta história, de uma mulher que vive em Mértola numa casa flutuante, acompanhada da neta, a quem passa os ensinamentos da tribo onde nasceu, no Brasil.
Segundo José Nascimento, “Casa Flutuante” começou por ser um projeto de um documentário sobre o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira que, no século XVIII, nomeado pela corte portuguesa, chefiou uma viagem à floresta amazónica e publicou, depois, um livro.
“Esse livro estava cheio de gravuras da fauna, da flora e das tribos índias. Eu apaixonei-me pelo livro. Além de lutar pela defesa da Amazónia enquanto cidadão, o livro transportou-me para outras esferas”, explicou José Nascimento.
A esta leitura juntou ainda a do romance novecentista “A jangada”, de Júlio Verne, sobre um fazendeiro em viagem pelo rio Amazonas, a bordo de uma complexa jangada, com o intuito de casar a filha.
Afastada a ideia de fazer um documentário, José Nascimento foi afinando o argumento ao longo de mais de uma década, reunindo informação sobre tribos da Amazónia, até chegar a esta história de ficção, coescrita com Ana Pissarra.
“Casa Flutuante” conta a história de Araci, uma mulher de uma tribo da Amazónia, que viu a filha ser assassinada por fazendeiros que desmatavam a floresta.
Araci decidiu emigrar com o marido, português, para Mértola, onde este trabalhou na exploração mineira, e com eles viajou também a neta Joana, que crescerá sem esquecer os rituais e ensinamentos indígenas do Brasil.
Na narrativa há ainda uma casa de madeira, flutuante, na margem de um rio e que fará a ligação com a vida na Amazónia.
O elenco integra a atriz colombiana naturalizada brasileira Carolina Virguez e os portugueses Inês Pires Tavares, Bernardo Mayer, Vítor Norte, Carla Maciel e Gustavo Sumpta.
Além de Mértola, a rodagem aconteceu no Rio Branco e no Cruzeiro do Sul, numa reserva da tribo Puyanawa, no Brasil, e foi concluída pouco antes da pandemia da covid-19.
Das filmagens na floresta amazónica, onde registou alguns dos rituais daquela tribo, José Nascimento recorda não só a devastação de algumas áreas como o impacto de se embrenhar na floresta ainda protegida.
“Assim que entrei na floresta, ao fim de dez minutos comecei a sentir-me muito leve, quase a levitar. Quase toda a gente sentiu isso. Não sei se é magia da floresta, somada ao oxigénio, não faço ideia. Mas todos sentimos isso. Essa sensação de levitação, do corpo deixar de pesar”, lembrou.
E acrescentou: “Mas a viagem que eu fiz de Cruzeiro do Sul até à reserva índia são quilómetros e quilómetros de floresta devastada para as culturas intensivas da soja, para gado. É um disparate completo”.
“Casa Flutuante” é apenas a quarta longa-metragem de ficção que José Nascimento, de 74 anos, a chegar aos cinemas, depois de “Lobos” (2006), “Tarde demais” (2000) e “Repórter X” (1986).
No entanto, o percurso do realizador conta com 50 anos de trabalho, a começar como assistente de realização de António-Pedro Vasconcelos e Fernando Matos Silva.
Foi um dos fundadores da cooperativa de cinema Cinequipa e tem feito, sobretudo, documentário para televisão e montagem, trabalhando ao lado de nomes como José Álvaro Morais, João Botelho, João Canijo, Luís Filipe Rocha ou Mário Barroso.
“Casa Flutuante”, produzido por José Mazeda, da Take 2000, em coprodução com a brasileira Panda Filmes, estreia-se nos cinemas a 3 de março e terá, mais tarde uma versão em minissérie de três episódios na RTP.
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