O IndieLisboa é um dos maiores festivais de cinema independente de Portugal e arranca esta quinta-feira, 27 de abril.

Serão centenas de filmes, entre curtas, longas e documentários, a preencher diversos espaços da capital - principalmente os cinemas São Jorge e Ideal, a Culturgest, a sala Fernando Lopes, junto à Universidade Lusófona, e a Cinemateca Portuguesa. A grande festa termina a 7 de maio.

O SAPO Mag conversou com três programadores do festival, que deram conta de algumas das secções por esta altura com uma longa história dentro de um certame que celebra duas décadas.

É o caso da Silvestre, uma secção panorâmica que também conta com uma mostra competitiva e que poderia ser, de alguma forma, a cara do festival. Enquanto Boca do Inferno ou IndieMusic são mais acessíveis, é aqui que podem ser encontradas algumas das propostas estéticas mais experimentais.

“Sim, talvez a secção pode ser vista algumas vezes como ‘radical’”, diz uma das diretoras do Indie, Susana Rodrigues.

"Mas este é o meu primeiro ano no festival e acredito que não há medo nenhum em termos uma programação que desperte empatia com o grande público. Claro que um dos compromissos será sempre o de buscar um cinema mais experimental e desafiador, mas as duas coisas podem andar juntas”, reflete.

Conforme observa ainda, o filme “Here”, de Bas Devos, “pode ser uma síntese do que procuramos”: a obra do cineasta belga baseia-se nas ideias da autora de ficção científica Ursula le Gain - que questionava se haveria mesmo necessidade de uma narrativa com uma jornada heroica e um conflito permanente a conduzir o filme e a atenção do espectador. Por outras palavras, os anticlimaxes também podem ser divertidos…

Entre os muitos filmes e alguns mais mediáticos, como “The Eternal Daughter”, de Joanna Hogg, e “Saint-Omer”, de Alice Diop, e “Notre Corps”, de Claire Simon, Susana Rodrigues destaca ainda o japonês “Garden Sandbox”, de Yukinori Kurokawa, cuja equipa surpreendeu a programadora ao mostrar-se grande fã e conhecedora… de João César Monteiro!

Boca do Inferno: sem medo de narrativas

"Pearl"

Surgida há alguns anos, esta secção é dedicada a filmes de terror, comédias bizarras e 'esquisitices' diversas. Pode ser vista, de qualquer forma, como a que mais inclui cinema narrativo no festival.

“Tendo a concordar”, diz Rui Mendes, outro dos programadores da mostra - "apesar de, em termos temáticos, algumas propostas serem bastante arriscadas".

Conforme relembra, o cinema de terror, em particular, vem beneficiando já há alguns anos de um claro resgate pelos grandes festivais de cinema internacionais - quando antigamente era relegado para segundo plano.

Um dos que vem beneficiando com a perda do caráter pejorativo do género é Ty West, cujo “Pearl” é o grande destaque da Boca do Inferno este ano.

O que se pode esperar deste filme, o segundo da trilogia “X”?

“Antes de mais, uma grande atuação de Mia Goth, que co-escreveu o filme com West”, afirma.

“O filme traz temas pesados, como negligência familiar, mas o trabalho dela é surpreendente”, acrescenta.

Rui Mendes destaca ainda o japonês "Shin Ultraman", baseado numa animação muito popular no Japão e que é a “carta mais fora do baralho da secção”, alémde “Soft & Quiet” - “um murro no estômago muito necessário que dá conta das radicais divisões políticas que assolam hoje a América”.

O “hip hop” faz 50 anos…

"B4"

A secção IndieMusic é uma das “joias da coroa” do festival - e surge este ano particularmente apelativa. Dois eixos principais acabaram por predominar na programação: o “hip hop” e, como sempre, o rock’n’roll.

Carlos Ramos, um dos programadores, diz que esta ideia de virar as atenções para o “hip hop” veio de uma comemoração, ainda que com uma data longe de ser consensual, dos 50 anos do género - que teria começado com uma festa ocorrida em Nova Iorque em 1973.

Assim, foi dada carta branca a Sam the Kid, personagem incontornável do cenário lusitano, que escolheu três filmes - um a propósito do A Tribe Called Quest, outro com Chris Rock, de 1993, que era uma espécie de “mockumentary” sobre o estilo (“CB4”) e “Scratch” - que trata, obviamente, de técnica popularizada pelos DJs e que está na base do “hip hop”.

A capa de “Dark Side of the Moon” faz 50 anos…

The Dark Side of the Moon

Já para fãs de rock’n’roll, o IndieMusic é sempre magistral e este ano há King Crimson, Can, Little Richard e o imperdível "Squaring the Circle (The Story Hipgnosis)", de Anton Corbijn , sobre a famosa dupla de “designers” que criou algumas das capas mais incontornáveis da história do "rock”.

Uma delas, aliás, completa 50 anos - e que se pronuncie quem não nunca teve na sua coleção o famoso “prisma” de “Dark Side of the Moon”.

Outro destaque é o filme em duas partes sobre uma das mais importantes bandas do cenário “indie rock” português, os Clã (“Na Sombra”, I e II), para além da habitual incursão pela música africana - segundo Carlos Ramos, sempre um dos pontos altos da seção.

“Le Mali 70” foca num grupo de alemães admiradores das “big bands” do Mali dos anos 60 e 70 que decidem fazer uma viagem de descoberta pelo país à procura dos velhos músicos de uma cena musical que desapareceu nos anos 80.

De notar que estas “big bands” tocavam um pouco por toda a parte no país, sendo apoiadas por mecenas e pelo Estado no imediato contexto da libertação da França e como um exemplo de afirmação cultural.

E se trabalhar na Google não for assim tão bom?

"Workers Leaving the Factory (again)"

Um destaque adicional fica ainda com o Foco Silvestre, onde quatro sessões de curta-metragens lançam um olhar sobre a representação do trabalho e do movimento sindical nestas alturas de comemorações do 25 de abril.

Conforme explica Carlos Ramos, a seleção dos filmes não foi feita de forma dogmática mas, em termos de organização, seguem quatro eixos estabelecidos após uma conversa com o sindicalista e sociólogo Manuel Carvalho da Silva.

Assim, “O Trabalho Digno” direciona-se a um dos temas do momento, a precariedade no trabalho; “As Ferramentas” reflete criticamente sobre a evolução das fábricas até a inteligência artificial; “O Contexto Português” mostra como os trabalhadores foram percebidos pelo cinema lusitano; por fim, um ensaio que parte de um dos mais famosos filmes da história do cinema (“A Saída dos Operários da Fábrica”, dos irmãos Lumière) para documentar diferentes “saídas de fábrica” ao redor do mundo.

Carlos Ramos observa que alguns são surpreendentes, como um filme que documenta os trabalhadores migrantes explorados nas construções megalómanas do Dubai e outro sobre a saída de colaboradores da Google que contraria a imagem de uma empresa liberal e atrativa para se trabalhar.

Aparentemente, para quem não é engenheiro ou tem um posto importante, a história não é assim tão simples…