Os realizadores Filipa Reis e João Miller Guerra estreiam na terça-feira, em Cannes, o filme “Légua”, uma ficção sobre “os gestos do trabalho e do cuidar”, inspirados numa história pessoal.
É a primeira vez que estão em Cannes enquanto realizadores, na Quinzena de Cineastas, com uma narrativa ficcional, mas que remete para um lugar e para uma circunstância de contornos verídicos.
A história de “Légua” acontece numa antiga casa senhorial, em que a única habitante é a governanta, Emília, determinada em manter tudo limpo e preparado para acolher os proprietários que nunca lá vão.
No trabalho doméstico, Emília conta com a ajuda de Ana, que acabará por se tornar na sua cuidadora informal, por causa de problemas de saúde, no casarão desocupado.
Na narrativa há ainda a filha adolescente de Ana, e o marido, que se vê obrigado a emigrar para França por falta de trabalho, mas o foco está centrado sobretudo naquelas duas mulheres.
O filme é protagonizado pela atriz Carla Maciel, que contracena com a atriz não profissional Fátima Soares. O elenco compõe-se ainda com Vitória Nogueira da Silva, Sara Machado, Paulo Calatré e Manuel Mozos, entre outros.
Em entrevista conjunta à agência Lusa, dias antes da estreia em Cannes, Filipa Reis e João Miller Guerra contaram que o ponto de partida para o filme foi uma vontade de passarem mais tempo numa casa de família do realizador, numa aldeia na região de Amarante.
A título pessoal, aconteceu-lhes ainda uma situação que inspirou a narrativa, a de uma mulher que tomava conta da casa de família, que adoeceu e passou a precisar de cuidados pessoais.
“É aí que começamos a descolar para a ficção, que começa a aparecer a ideia das três gerações de mulheres (mãe, filha, governanta) e que começa a haver uma investigação que depois faz o filme abrir para outros lados”, explicou Filipa Reis.
“Légua” é a segunda longa-metragem de ficção dos dois realizadores, que também são produtores, cinco anos depois da estreia com “Djon África” (2018), dois filmes aos quais se juntam, anteriormente, vários documentários.
“À medida que fomos fazendo os nossos documentários, sendo que os nossos documentários já tinham formalmente uma linguagem bastante ancorada na ficção, o que nos começou a interessar cada vez mais foi contar as nossas próprias histórias”, sublinhou João Miller Guerra.
E nesta história, são filmados os laços entre duas mulheres, a progressão de uma doença, a demonstração de afeto por via do cuidado, tudo escrito em guião, ensaiado e trabalhado com o apoio de um preparador de elenco.
“Eu senti o imenso gosto em dirigir atores e em construir com elas as personagens, a personagem de cada uma, a relação entre elas, a relação com a casa. (…) Elas sabiam que nós estávamos muito à procura dos gestos do trabalho e os gestos do trabalho que se transformavam em gestos de cuidar e de se deixar cuidar. Acho que pela primeira vez nós assumimos mesmo essa ideia de direção de atores”, disse Filipa Reis.
O filme foi rodado no início de 2022, mas contou com filmagens em diferentes meses, como registo da passagem das estações do ano.
“Nós queríamos que o filme passasse uma ideia que, para nós, era muito importante da vida como um ciclo. Reforçamos essa ideia de ciclo através da história que estamos a contar e através da presença das estações do ano”, adiantou João Miller Guerra.
O filme é uma produção de Uma Pedra no Sapato, de Filipa Reis e contou com coprodução de Catarina Mourão (Portugal), Alexandre Gavras (França) e Jon Coplon (Itália).
Depois de Cannes, o filme “Légua” terá antestreia nacional a 27 de junho na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, com a presença dos realizadores.
A Quinzena de Cineastas é um dos programas paralelos do Festival de Cinema de Cannes (França) e termina no dia 26.
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