As obras de cinema e audiovisual feitas em Portugal recorrem “de forma persistente” a estereótipos em relação às mulheres e falta-lhes pluralidade de representação de género e de outras identidades, segundo um estudo hoje apresentado.
Esta é uma das conclusões apresentadas no estudo “A Condição da Mulher nos Setores do Cinema e do Audiovisual em Portugal”, promovido pela associação MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, e hoje apresentado num encontro em Lisboa.
O estudo, coordenado pela investigadora Catarina Duff Burnay, partiu de um inquérito respondido por 515 pessoas que trabalham no setor (363 mulheres, 143 homens e nove que não se identificam com o binário ou preferiram não responder), complementado com entrevistas a dez mulheres e com uma análise a concursos de apoio financeiro do Instituto do Cinema e Audiovisual.
Em março passado, a MUTIM tinha já apresentado conclusões preliminares, nomeadamente que em Portugal as mulheres que trabalham nesta área ganham menos do que os homens, progridem mais devagar nas carreiras e que há casos de discriminação de género, assédio e racismo.
Segundo o estudo, a precariedade é transversal no trabalho tanto para homens como para mulheres, e que é “um dos principais fatores de stress”, mas 59% das mulheres responderam que têm um rendimento anual até 14.999 euros brutos, contrastante com 40% dos homens.
Das mulheres que responderam ao inquérito, cerca de 60% disseram que desistiram da carreira “com a chegada da maternidade”. “O equilíbrio entre a vida familiar e o desempenho da profissão é apontado como um objetivo muito difícil de alcançar”, lê-se no estudo.
Outro dado do estudo revelado em março é que do total de mulheres que responderam ao inquérito, “41.6% foram vítimas de discriminação de género, 37,6% foram vítimas de assédio no local de trabalho e/ou no desempenho de funções, 7,5% foram vítimas de xenofobia e 1,4% foram vítimas de racismo”.
Nas entrevistas, as profissionais contactadas fizeram “menções explícitas a assédio moral ou físico” e tiveram conhecimento de ou presenciaram casos concretos.
Os inquiridos, em particular as mulheres, reconhecem ainda que "as narrativas produzidas e realizadas na atualidade não são plurais em termos de representações de género e de outras identidades, recorrendo, de forma persistente, aos estereótipos. Evidencia-se, também e de forma consensual, o desempenho de papéis subalternos por parte da mulher, em especial nas produções televisivas”, refere o estudo.
É ainda apontado um desequilíbrio de género entre homens e mulheres em cargos de topo nos grupos de media com canais televisivos em sinal aberto: “Os conselhos de administração, assim como outros órgãos de gestão próprios de cada grupo, são integrados, maioritariamente, por homens. Isto também se verifica, e até de uma forma mais acentuada, nas direções de produção e programação”.
Na análise a 16 concursos de apoio financeiro do ICA, referente a 2022, o estudo revela que o volume de candidaturas apresentadas por homens é “substancialmente superior e existem concursos em que nenhum projeto liderado por uma mulher é financiado”.
“Os júris destes 16 concursos são, na sua maioria, constituídos por homens (56,25%) e, embora se constate uma evolução positiva desde 2018 (50% dos júris foram constituídos maioritariamente por homens e em 25% não existia qualquer elemento do género feminino), não se verifica, de todo, uma paridade”, conclui-se.
Em março, a investigadora Mariana Liz, da MUTIM, explicava à agência Lusa que este estudo “pode servir para desenhar políticas públicas novas ou que tenham em atenção uma óbvia desigualdade neste setor”.
O estudo foi promovido pela associação MUTIM, em parceria com o Centro de Estudos de Comunicação e Cultura e o Laboratório para Estudos de Comunicação Audiovisual da Universidade Católica Portuguesa.
A apresentação deste estudo insere-se no 1.º Fórum MUTIM sobre desigualdades de género no cinema e audiovisual que começou hoje e termina na sexta-feira no Goethe Institut, em Lisboa.
Para este fórum foram convidadas, por exemplo, representantes de associações de realizadores, argumentistas, de produtores, da Academia Portuguesa de Cinema, da Comissão para a Igualdade de Género, investigadoras e ainda Verónica Fernández (Netflix Espanha e Portugal), Iris Zappe-Heller (Instituto de Cinema da Áustria) e Sara Mansanet Royo (Associação de Mulheres Cineastas de Espanha).
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