"Diamantino" circula entre o cómico e o delirante, narrando a história de um astro do futebol lusitano (Carloto Cotta), que mora numa mansão nos Açores e vive um mau momento quando falha um penálti num jogo decisivo da seleção.
Para além disto e da sua ingénua maneira de ver o mundo (sensibilizado com o que vê na televisão, ele adota um “refugiadozinho”), uma terrível conspiração, envolvendo clonagem e fascismo, está em curso à sua volta…
Entre os demais membros do elenco encontram-se Cléo Tavares e Anabela Moreira, contando ainda com uma participação especial de... Manuela Moura Guedes.
Os toques cómicos não impediram "Diamantino" de receber o prémio principal da Semana da Crítica no austero Festival de Cannes, na mesma medida que acaba por ser um filme acessível a todos os públicos.
O filme estreia a 4 de abril nas salas portuguesas e o SAPO Mag entrevistou o corealizador de “Diamantino”, o luso-descendente Gabriel Abrantes – que vive nos Estados Unidos e foi autor do projeto em parceria com Daniel Schmidt.
Por esta altura, conta com 60 festivais no currículo e uma nomeação aos European Film Awards e embora Gabriel tenha realçado que Cristiano Ronaldo não é uma inspiração direta para Diamantino, as semelhanças são muitas e servem para o simbolismo da história, em que a imagem de um jogador de futebol serve para propósitos ultranacionalistas…
Uma das ideias que podem ser identificadas em "Diamantino" é a transposição da retórica messiânico/xenófoba para uma realidade portuguesa imaginária…
O filme joga com uma série de eventos que estão nas notícias e um deles é a retórica xenófoba que grassa na América de Trump, envolve o Brexit na Inglaterra e se expande através da Europa, como LePen em França e outros países do continente. Em Portugal a extrema-direita é muito mais fraca do que nestes outros países, mas Daniel e eu pensamos que seria divertido abordar isso por essa razão, porque parece absurdo. Era distante o suficiente da realidade para ser divertido. O que é assustador é ver o quão próximo da realidade se está em vários lugares.
TRAILER DIAMANTINO.
O filme parece sugerir que os portugueses têm uma autoestima baixa e que o futebol seria a grande força para lhes dar um sentido de grandeza e confiança neles próprios… acha que é isso?
Esta é uma ideia muito interessante, mas não foi exatamente a nossa intenção. No filme, o governo megalomaníaco de extrema-direita tenta clonar Diamantino de forma a criar uma equipa de futebol perfeita e, assim, inspirar o fervor nacionalista de tal forma que as pessoas apoiassem uma retirada de Portugal da União Europeia. Pensámos que poderia ser uma ideia divertida. Acho que nos inspirou a noção que temos sobre os desportos populares, que muitas vezes apresentam uma forma subliminar de propaganda nacionalista. Espetáculos como as Olimpíadas, o Mundial de Futebol, a Volta à França, por exemplo, são competições entre nações para provar quem tem os melhores atletas.
O Daniel e eu estávamos interessados em como, no passado, como é o caso dos Jogos Olímpicos de 1936, onde o corredor negro Jesse Owens venceu múltiplas medalhas de ouro sob o olhar desaprovador de Hitler, e algumas vezes no presente, como os escândalos do “doping” a envolver China e Rússia, as competições internacionais têm sido misturadas com ideias de eugenistas de superioridade étnica ou racial. Então, juntámos essa ideia – a dos esquemas de “doping” patrocinados pelos próprios governos, com a ideia de um Brexit em Portugal – o “Porxit”.
Acredita que existem alguns excessos na importância atribuída ao futebol pelos “media” em Portugal?
O futebol é um belo jogo, que inspira e move milhões de pessoas. Ele tem um efeito emocional que pode ser muito forte e positivo. Mas quando você salta entre quatro telejornais noturnos e vê longos segmentos sobre os milhões pagos por um jogador numa transferência, ao mesmo tempo que dão pouquíssimo tempo a qualquer notícia sobre economia ou crises humanitárias e ecológicas, acho que é natural que nos sintamos um pouco desiludidos sobre nós mesmos como espécie e como sociedade.
Imagino que, por esta altura, esteja um pouco cansado das comparações entre o seu personagem principal e Cristiano Ronaldo… Tinha ele em mente quando desenvolveu o argumento?
Penso que é muito normal que se façam estas comparações, afinal o filme é uma paródia sobre uma estrela portuguesa do futebol! Mas penso que o personagem é muito mais do que isso e vai além da simples paródia. Houve muitas inspirações para Diamantino. Génios do desporto, como Zidane, o escândalo de “doping” a envolver Lance Armstrong ou o meme “Crying Michael Jordan”, por exemplo. E também personagens de ficção, como o Candide, de “Forrest Gump”. O filme começa como uma paródia de uma estrela do futebol português, mas termina como uma ode à beleza da ambiguidade, ao poder e a abertura da ingenuidade e da inocência.
Em que medida o reconhecimento da Semana da Crítica do Festival de Cannes é importante?
Essa vitória foi chocante. Comecei a chorar quando o júri disse “Diamantino”. Foi um momento muito intenso e catártico após oito anos de trabalho duro, com muitos altos e baixo. O prémio colocou o filme em grande destaque e fez com que muitas pessoas prestassem atenção. Espero que isso se mantenha e cada vez mais pessoas queiram ver o filme e se divirtam com ele – para que possamos fazer mais filmes.
O que pode adiantar sobre novos projetos?
Estou a terminar uma curta-metragem de animação sobre uma escultura no Louvre que uma noite acorda e decide que está cansada de ser “apenas um ornamento”. Então, foge do museu para as ruas de Paris. Espero estreá-la brevemente!
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