Durante seis dias, o elenco de «Fúria» foi empurrado para uma situação extrema: num verdadeiro «bootcamp» os atores foram fisicamente e psicologicamente testados, correram muito, dormiram pouco, comeram apenas o suficiente. O objetivo? Transformar cinco atores que mal se conheciam numa família militar que reagisse aos mais básicos instintos de sobrevivência.
O filme do realizador David Ayer, que esta semana chega a Portugal, tem como elenco central Brad Pitt, Shia LaBeouf, Logan Lerman, Jon Bernthal e Michael Peña. Os cinco formam a equipa de um tanque do exército americano, nas vésperas do final da guerra. Estão na última fase de avanço sobre os nazis e mostram aos espectadores o lado mais violento e básico da guerra: ou se mata ou se é morto.
Foi num quarto de hotel, em Paris, durante a promoção ao filme, que nos sentámos com o cineasta e com o jovem ator Logan Lerman, celebrizado pela saga «Percy Jackson» ou filmes como «As Vantagens de Ser Invisível», para falar sobre o desafio que foi pôr no cinema este «Fúria».
O David tem um passado como militar na Marinha, os seus avós também eram militares e serviram durante a guerra. Isso foi um fator decisivo para querer contar esta história?
David Ayer (D.A.): A II Guerra Mundial é algo de muito pessoal para mim. Tive familiares a combater em todas as guerras em que a América participou. Parece que é aquilo que fazemos, por isso, para mim, a guerra é uma história de pessoas. Como realizador e contador de histórias, senti que uma das coisas que faltavam no cinema de guerra americano era uma visão mais honesta sobre o efeito que a guerra tem no coração humano.
Porquê escolher um tanque como cenário principal do filme e não outro qualquer?
D.A.: Escolhi contar a história de um tanque porque eles foram o que ganhou aquela guerra. Foram as equipas dos tanques que diariamente fizeram avançar o conflito. A outra coisa que me fez escolher o tanque foi o facto de poder ter cinco homens a viver dentro de uma caixa de aço que é a sua casa, o seu escritório, a sua casa de banho. Eles tornam-se muito próximos, muito íntimos. Não há outra unidade militar em que as equipas estejam tão próximas como no interior de um tanque.
Não consigo lembrar-me de outro filme deste género que se passe dentro de um tanque...
D. A.: É o primeiro filme de guerra contemporâneo sobre um tanque. É um filme único e é surpreendente porque pensamos que já foi feito, mas quando olhamos para a história do cinema percebemos que não há nenhum deste género.
Logan Lerman (L.L.): Houve algumas comédias nos anos 80 ou 70 que se passavam em tanques...
Para o Logan, esta personagem é muito diferente das que o temos visto interpretar. Foi o seu trabalho mais duro até agora?
L.L.: Sim, sem dúvida. Foi uma experiência muito difícil. Quis ser desafiado e fazer algo muito diferente daquilo que já tinha feito. Não estava à procura de algo em particular, bastava-me trabalhar com um bom cineasta. Tive várias propostas para bons papéis no ano que passou, mas este foi aquele que me intrigou mais. Foi o guião mais incrível... uma daquelas raras vezes em que sabemos que temos de fazer uma coisa. Na verdade era a única coisa que queria fazer.
Trabalhar com o David não é fácil, ele é um tipo duro, especialmente neste filme. Não sei se ele é assim em todos os filmes, mas tinha ouvido falar do quão dura tinha sido a rodagem do «Fim de Turno» e sabia disso quando aceitei este papel, mas apaixonei-me pelo guião e pela personagem e quis dar 100% de mim ao processo dele.
Qual o lado do Norman [personagem interpretada por Logan Lerman] que prefere? O inocente perdido no meio do conflito ou o lado duro que mostra mais para o fim, de alguém que já se deixou modelar pela guerra?
L.L.: Não sei se gosto mais de um ou outro, mas posso dizer que é mais fácil interpretar o terceiro ato do filme, o lado mais violento...
A sério? Pensei que ia dizer o contrário...
D.A.: Ele foi tão torturado, estava tão zangado, que era fácil para ele ser aquela personagem.
L.L.: Perto do fim já tinha o respeito do resto da equipa, já era um dos rapazes, já não era o novato.
Sentiu isso como ator e como personagem?
L.L.: ...e como pessoa [risos]. Nós criámos fora do ecrã as mesmas relações das personagens. Estávamos mesmo imersos naquele mundo. Estávamos realmente em fúria.
Sabia desde o início que queria o Brad (Pitt) para o papel de Wardaddy?
D.A.: Não, acho que foi o Brad quem me escolheu. É muito difícil conseguir o Brad para um filme, mas alguém lhe deu o guião, coisa de que eu não sabia, ele leu-o e ligou-me a dizer que queria entrar no filme.
Não há ninguém melhor para aquele papel. Ele é tudo aquilo que é suposto dizer-se dele, um tipo porreiro e muito trabalhador, mas é também muito semelhante àquela personagem no sentido em que é muito paternal, é um homem de família muito tradicional, é um homem com valores muito bons e com uma grande ética profissional. E ele traz tudo isso para a rodagem.
Foi um líder fantástico para os outros atores. Ele é muito generoso e o homem perfeito para interpretar o papel do comandante do tanque.
Como foi trabalhar com o Brad? Ele é um dos melhores da sua geração...
L.L.: Ele já faz parte da história do cinema e é uma pessoa muito inspiradora. No trabalho em si ele é muito colaborativo e generoso. Dá muito e não pede nada em troca. Tivemos uma relação interessante.
Todo o filme caminha para a violência e para dureza da guerra, mas no final há uma réstia de esperança. Isso não é abandonar um pouco a visão que dá ao espectador no resto do filme?
D.A.: Eu não diria que a minha teoria é só à volta da violência, acho que a guerra é violenta por natureza. Mesmo ao estudar a guerra e ao falar com veteranos fico surpreendido por perceber que há sempre, em todos os conflitos, momentos de grande humanidade, de surpreendente misericórdia, de bondade.
No final do filme, a guerra está quase a acabar. Tem mesmo de morrer toda a gente? Essa é a tragédia do filme, a guerra vai acabar dali a quatro semanas...só quatro semanas.
O inimigo era um regime corrupto que recusou a render-se e foi tão trágico que tantas pessoas tivessem de morrer naquele ponto da guerra. Mas, no pior cenário, ainda havia bondade. As pessoas são pessoas e o coração humano é o coração humano.
Foi difícil filmar a cena em que os tanques quase fazem uma dança durante uma batalha?
D.A.: A parte mais difícil de rodar uma cena de ação assim é o tempo. Nunca temos tempo suficiente para filmar algo assim.
As minhas agonias e frustrações não estão no ecrã, vemos só uma cena de ação fantástica e muito realista. Mas na verdade estamos sempre a combater o sol, o nascer-do-sol, o pôr-do-sol...Estes veículos são difíceis de mover, é difícil chegar à imagem que pretendemos.
Como realizador nunca estou satisfeito, não sei se é o que é suposto um cineasta ser ou se é mesmo feitio, mas nunca estou satisfeito.
Algumas das cenas mais fortes do filme não são de batalha. Por exemplo, a cena em que a equipa do tanque está à mesa com duas raparigas alemãs e se gera uma tensão enorme deve ter sido difícil de conceber...
D.A.: Na cena do jantar tive de pegar nestes homens, que tinham sido reduzidos a seres muito violentos, a um nível muito básico, e pô-los numa sala de estar, numa mesa com porcelana e talheres de prata.
Foi uma tentativa de demonstrar o quão distantes eles estavam da sociedade. Aquela cena é o Brad com os seus filhos, estes homens criança que não o deixam ter paz, sentir-se normal, que não querem que ele se lembre do que é ser normal, ser uma pessoa decente. Talvez eles saibam instintivamente que ser normal é perigoso porque eles têm de continuar a lutar.
L.L.: Todas as cenas são difíceis. Se tivesse de escolher a mais difícil, escolheria aquela que chamamos a «cena de treino», em que a personagem do Brad Pitt obriga a minha a matar um Nazi. Foi sem dúvida a mais assustadora.
D.A.: Nessa cena o Brad bate no Logan. Eu estou a ver no monitor e vejo que o Brad lhe dá uma estalada muito forte...
L.L.: Mas era isso que queríamos...Todos os dias eram um desafio, de cada vez que o dia de rodagem terminava era uma vitória. Tivemos muitas vitórias.
Já começamos a ouvir rumores de que o filme pode chegar aos Óscares...
D.A.: O quê? Não sei de nada, não ouvi nada [risos]. Estou apenas feliz de ser pago para fazer algo que adoro. Só quero estar no «plateau» e realizar, é esse o meu foco.
L.L.: É bom saber que as pessoas gostam do filme, sinto-me lisonjeado por isso.
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